O Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e Ministério Público do Trabalho (IPEATRA), entidade não-estatal e sem fins lucrativos, formada por magistrados e procuradores do trabalho em todo o Brasil, tendo em vista a veiculação pela CNN e UOL de matéria jornalística citando da USP e do INSPER, sobre o impacto da reforma trabalhista sobre o mercado de trabalho, sob o título “Estudo aponta que regra trabalhista gerou 1,7 milhão de vagas de trabalho” (4/5/2022), tem a manifestar o que segue:
- Não se logrou acesso ao documento em questão, tão-somente a notícia e, assim, assume-se o risco de interpretação equivocada a respeito do real conteúdo do estudo. Porém, a matéria faz afirmações que não se pode deixar de refutar.
- É difícil compreender a metodologia adotada pelo estudo da USP e do INSPER, pois, da forma que apresentado, parece se basear um cálculo bastante simplificado no qual toda redução de processos trabalhistas a partir de 2017 (2.63 milhões para 1,73 milhões) decorreu da alteração legislativa que passou a atribuir ao autor os riscos de sucumbência, modificando histórico princípio de gratuidade do processo do trabalho e na contramão da tendência mundial de ampliação do acesso à justiça. Segundo os autores do estudo, teria havido uma inibição de processos temerários com postulações imoderadas que, supõe-se, seriam, até então, inexplicavelmente acolhidas pelo Poder Judiciário. Tais afirmações, em si, são caluniosas contra duas instituições mais prestigiadas e estimadas pela população brasileira – o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho, esta última com quase oitenta nos de serviços prestados ao Brasil. Mas, sobretudo, o que impressiona é a falta de consistência técnica e a falsidade evidente dos cálculos que, na pressa de encontrar argumentos para dar credibilidade a suas suposições, não parece encontrar limites, nem na lógica, nem na ética, nem no respeito às instituições republicanas.
- Tampouco se sabe em que dados estatísticos (ou cálculos cabalísticos) teria se baseado o estudo para informar, com surpreendente precisão, que a “regra trabalhista teria criado 1,7 milhão de vagas de emprego” quando a maior parte dos pesquisadores que se apoiam em números reais não apenas afirma que reforma não teria criado os prometidos “6 milhões de novos empregos”, como conclui que ela, na realidade, desestruturou o mercado laboral, no máximo substituindo empregos bons (formais e a tempo completo) por trabalho precários (informais, autônomos e a tempo parcial ou intermitente).
De toda sorte, registra-se grande surpresa a respeito de afirmações feitas na matéria, especialmente em relação à suposta criação de empregos decorrente da Reforma Trabalhista, em sentido oposto às conclusões que têm sido observadas e registradas pela maior parte dos profissionais que estudam a matéria.
- Por exemplo, recente publicação do Unicamp-Cesit-MPT-Remir Trabalho, “O TRABALHO PÓS-REFORMA TRABALHISTA DE 2017[1] toma caminho inverso ao do elogio fácil da reforma, chegando a conclusões diametralmente opostas. Entre as principais conclusões estão:
– a partir de 2016-7, iniciou-se um lenta retomada da atividade econômica, de forma que o desemprego aberto parou de aumentar, mas permaneceu muito alto (11%), constando-se acentuada queda do emprego com carteira (44,1% em 2019), com significativo crescimento do setor informal (12,6%) e dos contratos por conta própria (11,5%). Se um dos objetivos da Reforma Trabalhista seria o de estimular a geração de empregos e dar segurança jurídica e contribuir para a formalização do mercado de trabalho brasileiro, tais números parecem indicar justamente o contrário. A reforma trabalhista contribuiu para ampliar a precarização do trabalho pela substituição de vínculos formais por trabalho por conta própria e emprego privado sem registro em carteira; ao invés de facilitar a criação de empregos formalizados, incentivou a fraude trabalhista. As taxas de desemprego impactar diferentemente conforme o sexo e a cor, atingindo mais fortemente as mulheres e as pessoas negras.
– a fraca recuperação econômica que assistimos tem relação direta com a queda do consumo agregado, podendo-se supor que a queda do consumo das famílias decorra da
insegurança crescente quanto ao futuro do trabalho e da renda, que torna as famílias mais cautelosas quanto à sua disposição de gasto.
– a reforma trabalhista, na medida que foi acompanhada de elevada taxa de informalidade, ao contrário do sugerido pelos seus defensores, não contribuiu para elevação da taxa de produtividade, mas sim, contribuiu para a deterioração das condições de oferta do setor produtivo brasileiro.
– a redução de direitos do trabalho que resultaram da reforma de 2017 mostrou-se inócua do ponto de vista econômico, tornando cada vez mais evidente que, na ausência de um sistema de regulação eficaz e de uma rede de proteção social mais sólida – tal qual projetados pela Constituição Federal (CF) de 1988 – fragilizam-se os nexos econômicos e sociais do país, retirando tração do dínamo que deveria garantir força à expansão da economia e do emprego.
– as modificações legislativas ocorridas no processo do trabalho e no Judiciário trabalhista, assim como o desmonte da fiscalização do trabalho e uma potencial pulverização da ação sindical, fazem parte de uma caminhada regressiva que visa transformar grande parte dos trabalhadores em “empresários de si próprios”, reduzindo-os a um contingente de baixa remuneração. Analisando cinco anos da implementação da reforma, verifica-se que a Justiça do Trabalho mudou para pior, tornando-se mais lenta, mais burocrática e menos eficaz. Os processos reduziram-se em complexidade, aumentando significativamente as ações em rito sumaríssimo (com valor limitado e reduzidas provas e que se destinam, em geral, à reposição de direitos mínimos não satisfeitos, como é o caso de salários e verbas rescisórias). A Justiça do Trabalho se tornou uma Justiça homologatórias de despedidas, demissões e acordos extrajudiciais.
Como é possível cogitar benefícios para o mundo do trabalho por conta do enfraquecimento da Justiça do Trabalho sem a elementar honestidade intelectual de apontar que este beneficiou desmesuradamente a classe empresarial e desprotegeu de forma historicamente inédita os trabalhadores brasileiros?
O IPEATRA, que tem como uma de suas missões institucionais, a de contribuir para o aprimoramento teórico e prático do Direito do Trabalho, num momento em que parte da sociedade brasileira está a exigir a revogação da Reforma Trabalhista de 2017 não pode deixar de manifestar sua completa concordância quanto à urgência de um amplo debate sobre os efeitos notoriamente deletérios da reforma visando a sua superação.
Luiz Alberto de Vargas
Conselheiro
Marcelo José Ferlin D’Ambroso
Presidente