O IPEATRA – Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho, considerando a inclusão em pauta, no Congresso Nacional, da Medida Provisória 1045/21, que “institui o Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas complementares para o enfrentamento das consequências da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19) no âmbito das relações de trabalho”, vem a público esclarecer o seguinte:
Os direitos laborais, além de constituírem uma dimensão dos Direitos Humanos, representam, também, direitos fundamentais que possibilitam a concretização de uma vida digna, reconhecidamente ligados à manutenção da paz e à própria existência do Estado Democrático de Direito, como se pode inferir da Constituição da OIT e da Declaração de Filadelfia, de 1944.
Neste norte, as normas trabalhistas são compostas de Direitos Humanos das pessoas trabalhadoras, conquistadas ao longo de séculos de lutas sociais, positivando, na ordem jurídica, apenas o MÍNIMO, e não o máximo, orientando-se o seu aperfeiçoamento pelo princípio da progressividade ou não retrocesso social, ou seja, apenas para ampliação e nunca diminuição.
As crises, derivadas de quaisquer razões e motivos, inclusive pandemia (nos seus efeitos econômicos e sociais), são cíclicas e típicas do capitalismo, e devem ser suportadas pelo sistema – Estado e empresas, não podendo ser repassadas à classe trabalhadora, pois, segundo o original art. 2º da CLT, quem corre os riscos da atividade econômica é o empregador.
Os direitos trabalhistas MÍNIMOS, positivados no ordenamentos jurídico, são o que o nome diz: um MÍNIMO que não pode ser reduzido sob nenhum pretexto. Neste sentido, não há falar em “Direito do Trabalho de emergência”, porque o Direito do Trabalho é um só, composto de Direitos Humanos das pessoas trabalhadoras, que, reitera-se, só podem ser ampliados e jamais rebaixados.
A Constituição, seguindo a normativa internacional, como a Constituição da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no seu art. 7o., XXXII, proíbe distinção de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.
Na mesma linha, o art. 8o., I, do Decreto 9571/18 (Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos), que promove os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos no Brasil, veda a discriminação nas relações de trabalho, determinando que caberá às empresas combater a prática e promover a valorização e o respeito da diversidade em suas áreas e hierarquias, com as seguintes obrigações:
“I – resguardar a igualdade de salários e de benefícios para cargos e funções com atribuições semelhantes, independentemente de critério de gênero, orientação sexual, étnico-racial, de origem, geracional, religiosa, de aparência física e de deficiência;
II – adotar políticas de metas percentuais crescentes de preenchimento de vagas e de promoção hierárquica para essas pessoas, contempladas a diversidade e a pluralidade, ainda que para o preenchimento dessas vagas seja necessário proporcionar cursos e treinamentos específicos;
III – promover o acesso da juventude à formação para o trabalho em condições adequadas;
IV – respeitar e promover os direitos das pessoas idosas e promover a sua empregabilidade;
V – respeitar e promover os direitos das pessoas com deficiência e garantir a acessibilidade igualitária, a ascensão hierárquica, a sua empregabilidade e a realização da política de cotas;
VI – respeitar e promover o direito de grupos populacionais que tiveram dificuldades de acesso ao emprego em função de práticas discriminatórias;
VII – respeitar e promover os direitos das mulheres para sua plena cidadania, empregabilidade e ascensão hierárquica,
VIII – buscar a erradicação de todas as formas de desigualdade e discriminação;
IX – respeitar a livre orientação sexual, a identidade de gênero e a igualdade de direitos da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros em âmbito empresarial; e
X – efetivar os direitos sociais, econômicos e culturais das comunidades locais e dos povos tradicionais, respeitadas a sua identidade social e cultural e a sua fonte de subsistência e promover consulta prévia e diálogo constante com a comunidade.”
Assim, não podem existir categorias distintas de pessoas trabalhadoras, algumas com mais direitos e outras com menos, porque isso constitui odiosa DISCRIMINAÇÃO!
“REQUIP”, “programa primeira oportunidade”, “reinserção no emprego”, “carteira do trabalho verde e amarela” e similares, que promovem discriminação de direitos entre categorias de pessoas, são inconstitucionais e inconvencionais !
Medidas Provisórias são instrumentos emergenciais do Poder Executivo, editadas em caráter excepcional e temporário, portanto, não se prestam para promover verdadeira reforma trabalhista na legislação social, para a qual somente está legitimado o Poder Legislativo pelo Congresso Nacional.
Há leis que são inconstitucionais, há leis que contrariam o regime democrático de direito. O ato de legislar não comporta uma operação abstraída de todo o conjunto de normas internacionais e domésticas que compõem o Estado Democrático de Direito. O Brasil é signatário de diversos Tratados de Direitos Humanos, como a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos e Sociais, e em todos eles o Direito Humano ao trabalho e o trabalho como Direito Humano estão previstos com base em patamares MÍNIMOS, inexistindo compatibilidade de um regime de redução de direitos a ser imposto à parte mais fraca de uma relação assimétrica de poder – a relação de trabalho.
O holocausto vivido na segunda guerra mundial provou à humanidade que o simples cumprimento da vontade do líder, sem questionamentos, leva a extremos perigosos, quando se naturalizou como “ato de obediência” matar judeus, oponentes políticos e minorias. A lei nazista tinha uma ideologia, assim como a MPV 1045/21 tem uma ideologia que é contrária à classe trabalhadora. O trabalho do Poder Legislativo deve ser de extirpar propostas e medidas que não se coadunam ao interesse do povo, como a medida provisória em questão.
Nestes termos, o IPEATRA recomenda, com a presente nota técnica, a rejeição da Medida Provisória 1045/21 e de todas as emendas a ela apresentadas, já que a mesma parte de um pressuposto equivocado de redução de direitos, incompatível com a ordem jurídica, sendo desrespeitosa aos ditames de justiça social e respeito à dignidade humana, violando Direitos Humanos Fundamentais e o objetivo fundamental da República relativo à promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Por tais razões, partindo a referida MP 1045/21 de um fundamento avesso ao Estado Democrático de Direito, não pode ser validada nem remediada, deve ser rejeitada !
Marcelo José Ferlin D’Ambroso
Presidente do IPEATRA