A Emenda Constitucional nº 45, promulgada em 30 de dezembro de 2004, modificou sensivelmente
a competência da Justiça do Trabalho originariamente estabelecida no art. 114 da Constituição da
República, ampliando a sua abrangência. Superou-se a premissa de que apenas julgaria conflitos entre
empregados e empregadores, acrescentando-se diversas outras causas, até então decididas pelos
demais ramos do Poder Judiciário.
A alteração mais substancial veio por meio do inciso I do art. 114, que estendeu a competência às
ações oriundas das relações de trabalho em geral.
A interpretação literal do dispositivo jamais permitiria outra conclusão, senão a de que qualquer
controvérsia decorrente da relação de trabalho deve ser apreciada pela Justiça do Trabalho – não, pela
Justiça Comum.
À Justiça do Trabalho, aliás, sempre coube apreciar se uma relação de trabalho, a exemplo da mantida
por representantes comerciais, cooperativados, empreendedores ou profissionais liberais,
caracterizava ou não autêntico vínculo de emprego, sempre que se afirmasse, com base no art. 9º da
Consolidação das Leis do Trabalho, a existência de mecanismos para mascará-lo.
Trata-se, como é cediço, de um dos mais importantes preceitos da legislação trabalhista interna, pois
permite que sejam analisados os elementos da relação, a fim de se identificar ou não, em cada situação
jurídica concreta, o vínculo de emprego, à luz do princípio da primazia da realidade e a partir de
aspectos relevantes, como se houve ou não pagamento de salários e se o trabalhador cumpriu ou não
certa jornada.
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Com efeito, o art. 9º da CLT, que dispõe que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o
objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar” a legislação trabalhista, encerra norma de ordem pública
e indisponível, cuja incidência não pode ser afastada sequer por acordo das partes, pois visa à
identificação do contrato-realidade e ao reconhecimento das suas consequências legais.
Causa profunda preocupação, portanto, o sentido que se tem tentado atribuir às relações de trabalho
por plataformas digitais. Pretende-se incutir a ideia de autonomia dos trabalhadores e a de que, na
verdade, não há trabalho, mas mera intermediação de pessoas por empresas de tecnologia, que
desarticulam os laços de cooperação e os mecanismos de resistência coletiva, impondo-se uma
ideologia que modula não só o imaginário social, mas também a própria subjetividade obreira e o
mundo jurídico, a despeito da subordinação algorítmica e dos vários controles exercidos sobre os
trabalhadores.
Fato é que o trabalho por plataformas assumiu dimensão outrora inimaginável, estando presente em
quase todas as atividades.
No Brasil, segundo pesquisa do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento amplamente divulgada
pela mídia, o número de trabalhadores por aplicativos passa de 1.600.000 (um milhão e seiscentos
mil), considerando-se apenas motoristas e entregadores. Estima-se, porém, que seja ainda maior,
devido aos demais segmentos econômicos, aos altos índices de desemprego e à informalidade.
De todo modo, seja qual for a atividade, não há como afastar a existência de relação de trabalho e,
pois, a competência da Justiça do Trabalho, para analisar, no caso concreto, se há ou não vínculo de
emprego.
Deve-se atentar para a circunstância de que o Brasil, por expressa determinação constitucional, é um
Estado Democrático de Direito compelido à efetivação do ideário da Justiça Social, o que pressupõe
a valorização do trabalho, a preservação da dignidade da pessoa humana do trabalhador e a vedação
ao retrocesso.
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Não há outra maneira de construção de uma sociedade verdadeiramente livre, justa e solidária,
objetivo fundamental da República, que não pode prescindir do Direito do Trabalho, como arcabouço
de proteção dos trabalhadores, e do fortalecimento dos órgãos e das instituições constitucional e
infraconstitucionalmente encarregados de lhe dar concretude, como as entidades sindicais, a
advocacia trabalhista, o Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério Público do Trabalho e a
Justiça do Trabalho, por cuja competência se deve zelar firme, fiel e intransigentemente, em estrita
observância do art. 114, I, da Constituição.
Luciana Paula Conforti
Presidente
Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho -ANAMATRA
José Antonio Vieira de Freitas Filho
Presidente
Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho – ANPT
18 de agosto de 2023