15 de janeiro de 2021

Terceirização na Saúde Pública

Marcelo José Ferlin D’Ambroso[2]

S U M Á R I O

Saúde Pública Modalidades de Prestação dos Serviços de Saúde no Brasil Terceirização da Saúde Pública Possibilidades e Limites da Terceirização na Saúde Pública Ilegalidades das Terceirizações da Saúde Pública Conseqüências da Terceirização Ilícita na Saúde Pública Prestação de Serviços de Saúde por Cooperativas e Organizações Sociais Atuação do Ministério Público do Trabalho na Terceirização da Saúde Quarteirização Programas Sociais conveniados com o Governo Federal e com os Governos Estaduais Contratações Temporárias (ACT’s) e Comissionamentos Irregulares Sintomas de Má-Gestão do Serviço Público Prevenção, Repressão e Combate dos Ilícitos Conclusões Referências Bibliográficas
Saúde Pública

Primeiramente, cabe prestar um tributo à importância do tema a ser desenvolvido, e, no particular, o Subprocurador-Geral da República, Dr. WAGNER GONÇALVES esclarece com muita propriedade que “o direito à vida, como direito humano básico, é o fundamento primeiro de qualquer Constituição que se queira democrática, pluralista, onde prevaleça (ou deva prevalecer) a igualdade e a justiça, como valores supremos da sociedade”.
Com efeito, os fundamentos constitucionais do direito à saúde encontram-se logo nos primeiros artigos da Constituição da República, cujo art. 6º o elenca como um direito social básico do cidadão:

“Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (sublinhou-se)

Mas são dos próprios fundamentos da República que emana a valorização primordial da saúde, em especial dos postulados contidos no art. 1º, II e III, da CF:
– cidadania;
– dignidade da pessoa humana;
– valores sociais do trabalho (saúde enquanto serviço de ordem pública).
Também os objetivos fundamentais da República contemplam o direito à saúde, sem a concretização do qual não é possível pensar na:
– construção de uma sociedade livre, justa e solidária;
– redução das desigualdades sociais;
– promoção do bem de todos;
– erradicação da pobreza e da marginalização;
– garantia do desenvolvimento nacional.
De outro norte, tratando-se o direito à saúde de um direito social fundamental do cidadão de primeira grandeza, é indubitável a possibilidade de seu pleno e imediato exercício e exigibilidade, já que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, na forma do art. 5º, §1º, da CF.
Neste senso, o art. 37, caput, da CF, ao destacar o princípio da eficiência na Administração Pública, impõe ao administrador o dever da eficiência na prestação de serviços de saúde pública, como direito de todos e dever do Estado(art. 196 da CF).
É o que diz textualmente o art. 2º da Lei 8080/90[3], elencando o direito à saúde como direito fundamental do ser humano, e estatuindo a missão estatal de prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
Referido Diploma Legal, em seu art. 3º, reconhece como fatores determinantes e condicionantes da saúde:
– alimentação;
– renda;
– moradia;
– educação;
– saneamento básico;
– transporte;
– meio ambiente;
– lazer;
– acesso a bens e serviços essenciais.
E na lei está dito que “os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País”, denotando, uma vez mais, a importância da saúde no contexto político-jurídico pátrio.

Modalidades de prestação dos serviços de saúde

O art. 197 da CF estabelece que a execução das ações e serviços de saúde se dará:
– através do Poder Público diretamente;
– ou através de terceiros, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
As ações e serviços de saúde da Administração Pública direta e indireta correspondem ao denominado Sistema Único de Saúde (SUS).
Já para a iniciativa privada, a Constituição (art. 199) – reservou a condição de assistência à saúde, caracterizada pela atuação, por iniciativa própria, de profissionais liberais, legalmente habilitados e de pessoas jurídicas e de direito privado na promoção, proteção e recuperação da saúde (art. 20 da Lei 8080/90).
Portanto, enquanto o Sistema Único de Saúde opera com financiamento de recursos públicos, prevê a Carta Republicana que a iniciativa privada obedecerá as seguintes diretrizes na prestação de serviços de saúde:
– participação de forma complementar do SUS;
– observância das diretrizes do SUS, mediante contrato de direito público ou convênio;
– preferência: entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos;
– vedações: destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos;
– não é permitida a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde, salvo nos casos previstos em lei.
Tornando ao sistema único de saúde, reza a Carta Magna que o mesmo compreende as ações para garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social, e, também,dentre outras atividades:
– ações e serviços de saúde (art. 198): promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas (art. 5º, III, da Lei 8080/90);
– execução das ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador (art. 200);
– ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde (art. 200);
– incremento do desenvolvimento científico e tecnológico (art. 200);
– colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho (art. 200).
São diretrizes do SUS (art. 198):
– descentralização;
– atendimento integral: conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema (princípio contido no art. 7º, II, da Lei 8080/90);
– participação da comunidade.
Tecidas estas considerações iniciais e necessárias para contextualizar o problema quanto à saúde pública, seu regramento constitucional-legal e o papel da iniciativa privada, passa-se à abordagem da terceirização em tão sensível atividade.

Terceirização da saúde pública

À vista do rigor constitucional-legal no trato da saúde pública, duas primeiras conclusões saltam aos olhos: 1) que a prestação deste serviço é de responsabilidade primária estatal, ante a posição do Estado como garante e provedor das condições indispensáveis ao exercício do direito à saúde; 2) que o papel da iniciativa privada se dá em caráter meramente complementar à atividade estatal e, mesmo assim, em obediência às diretrizes do sistema único de saúde.
Pois bem, partindo de tais premissas, de antemão se percebe que a terceirização de uma atividade primária só pode ocorrer de forma excepcional, e, em se tratando de exceção, primeiramente, é vital identificar os problemas e condições capazes de fomentar a sua ocorrência/opção pelo administrador público. Neste norte, são problemas que gravitam no entorno da saúde pública pátria:
– demanda x escassez de profissionais de saúde;
– baixa remuneração de médicos;
– Municípios de difícil acesso ou de condições particulares de difícil provimento (distância da capital e centros maiores, população pequena, falta de atrativos, equipamentos médico-hospitalares de alto custo, etc.);
– limites de pessoal com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00);
– cartéis de saúde (estabelecimentos privados e profissionais liberais com influência política na comunidade);
– pseudo-cooperativas (empresas mascaradas de “cooperativas” para barateamento dos custos);
– corrupção administrativa;
– má-gestão pública;
– falta de conhecimento/assessoramento jurídico adequado do gestor público.
Evidentemente que as normas buscam as condições ideais de convívio em sociedade, podendo haver distância entre a previsão legal e a situação fática da vida. No particular, são conhecidas as dificuldades relativas à saúde pública no Brasil e, o Estado brasileiro, na sua atual condição de provedor de saúde, deixa muito a desejar, estando a anos-luz da previsão constitucional. De modo que, além das condições acima citadas, esta, em particular, agrava especialmente e propicia uma verdadeira inversão do valor constitucional-legal ao ponto da iniciativa privada prover com muito mais qualidade a prestação de serviços de saúde.
Partindo desta realidade, quais os limites da terceirização na saúde pública?
– o limite legal está expresso na Lei 8080/90, arts. 24 e segs.: quando as disponibilidades do SUS são insuficientes para cobertura assistencial à população local – permite-se contratação da iniciativa privada;
– segundo, a atuação de terceiros é prevista como complementarprestada preferencialmente por entidades filantrópicas e sem fins lucrativos
– quando houver contrato com instituição privada com fins lucrativos não pode haver destinação de recursos públicos (auxílios ou subvenções);
– a formalização da terceirização se dá sempre mediante contrato ou convênio, com observância do Direito Público,ou seja, obrigatoriedade de licitação, etc.;
– submissão dos serviços contratados às normas técnicas, administrativas, princípios e diretrizes do SUS;
– Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/00), art. 18, §1º: prevê que seja feita a contabilização das despesas de terceirização em “outras despesas de pessoal”.
Obviamente, estes são os limites diretamente relacionados ao direito à prestação do serviço de saúde, mas há também os trabalhistas, ligados à execução propriamente dita, por pessoas (mão-de-obra). Quanto a estes, a diretriz básica é a da Súmula 331 do TST:

“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666/93).”

Salienta-se, pois, que a regra geral interpretativa do Direito do Trabalho veda terceirização em atividade-finalística, permitindo apenas a subcontratação de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador (e, ainda assim, se inexistente a pessoalidade e a subordinação direta).
Por esta mesma interpretação, terceirizado o serviço de saúde (ou seja, do Estado para a iniciativa privada, dentro dos limites supra-expostos), completamente vedada está a chamada “quarteirização”, ou seja, a subcontratação pelo prestador da iniciativa privada que, ao fim e ao cabo, deverá fazer as vezes do Estado na execução e entrega do serviço de saúde ao cidadão.

Possibilidades e limites da terceirização da saúde pública

Em se tratando de terceirização da saúde pública, é interessante anotar que o termo compreende duas formas bastante distintas para os efeitos da legislação trabalhista:
Mediante contrato, convênio ou termo de parceria de gestão: é a transferência da unidade de saúde pública para gerenciamento, execução e prestação de serviços públicos de saúde pela entidade privada contratada, ou seja, por outras palavras, PRIVATIZAÇÃO. Na privatização, desaparece o servidor público, passando a unidade a contar com o pessoal contratado diretamente pelo gestor privado; Mediante contrato ou termo de parceria para prestação de serviços públicos de saúde: contratação de mão-de-obra complementar para prestação de serviços em toda a unidade de saúde pública ou em determinado setor, ou fora dela – TERCEIRIZAÇÃOpropriamente dita. Na terceirização, o servidor público pode conviver ou não com o funcionário terceirizado. No primeiro caso, se não há aumento da capacidade instalada para cobertura da população, ocorre franca violação do art. 24 da Lei 8080/90, já que o serviço de saúde passa à iniciativa privada de forma total e não em caráter complementar, o que se caracteriza como ato INCONSTITUCIONAL E ILEGAL, e aqui se enquadra a imensa maioria das hipóteses de contratação do Poder Público com terceiros, pois geralmente o Estado (União, Estados, Municípios ou Distrito Federal, seja administração direta ou indireta) constrói e finaliza a unidade de saúde (inclusive com equipamentos), e depois simplesmente a entrega para administração da iniciativa privada, sem qualquer melhoria do serviço (ou, muitas vezes, com máscaras de “melhorias” para aparência de legalidade).
Já nas raras hipóteses de privatização em que há efetiva melhoria do serviço, e, portanto, e em tese, dentro da legalidade, o gestor privado, por ter assumido a unidade de saúde (e, assim, adquirido a atividade primária do Estado), já estaria na condição de terceiro e, como tal, sem condições de subcontratar, ou seja, “quarteirizar”, porque desta forma estaria transmitindo a outrem sua atividade-fim, além de subverter o resultado da licitação e precarizar o serviço mediante ágio. Interessante destacar que, ante o posicionamento constitucional-legal da prestação do serviço de saúde no Brasil, só se admite a privatização em caráter temporário, no tempo que for necessário para recomposição e reorganização plena do papel do Estado no caso concreto.
No segundo caso, de terceirização propriamente dita, as circunstâncias determinarão a legalidade, se a terceirização está sendo usada para suprir carência permanente de pessoal, se meramente para substituir mão-de-obra efetiva, ou se é para aprimorar a prestação do serviço de saúde mediante ampliação do atendimento à comunidade.
Neste particular, vislumbram-se as seguintes possibilidades de terceirização lícita na saúde pública:
– prestação de atividades-meio (limpeza, vigilância, conservação, copeiragem);
– prestação de serviços especializados (fora da unidade de saúde ou, se dentro, mediante incremento das instalações com os meios e instrumentos para prestação do serviço terceirizado, sendo que, neste caso sempre que não haja correspondência da atividade terceirizada com as de servidor do quadro).
Como hipóteses de serviços especializados, nas condições acima, podem-se elencar:
– consultas (de alto grau de especialização);
– exames;
– serviços de apoio (radiologia, etc., variando caso a caso, conforme a necessidade do ente público);
– outros serviços especializados ligados à atividade-meio.
Destarte, para aferição da licitude da terceirização da saúde pública, podem ser listadas as seguintes características essenciais como conditio sine qua non:
– complementariedade;
– acessoriedade;
– ampliação/melhoria do serviço público pela parceria com a iniciativa privada;
– preferência às entidades filantrópicas ou sem fins lucrativos;
– temporariedade.
E dentro dos critérios supra explanados que dimensionam a licitude, possibilidade e limites da terceirização, em contrapartida podem ser elencados os seguintes indicadores de ilegalidade:
– existência de cargos/empregos correlatos previstos no quadro de pessoal do órgão público contratante do prestador;
– falta de autonomia do pessoal contratado frente ao órgão público tomador;
– gasto superior à contratação direta (ágio do intermediador);
– falta de licitação (“dispensa por inexigibilidade”, v.g.);
– falsa licitação ou máscara de licitação (ex.: tomada de preço, carta-convite viciadas);
– contratação de empresa/entidade inidônea;
– permanência das mesmas pessoas na prestação de serviços (ex.: “ACT”, “comissionado” vira “terceirizado”, “cooperado”, “bolsista”, “pesquisador”, etc.);
– convívio de servidores efetivos com terceirizados executando as mesmas funções;
– “pejotização” (constituição de pessoa jurídica pelo servidor para contratação como empresa/entidade para assumir a execução do serviço);
– execução de atividade finalística, permanente ou essencial à saúde pública;
– execução total dos serviços de saúde sem caráter temporário e sem qualquer ampliação ou melhoria;
– status quo ante – a prestação de serviço continua a mesma, sem ampliação, trocando apenas o prestador;
– lucratividade do prestador.

Conseqüências da terceirização irregular da saúde pública

Como toda terceirização irregular na administração pública, as conseqüências são similares, principiando pelas múltiplas violações ao ordenamento jurídico:
– burla aos princípios que regem a administração pública e ao princípio da universalidade do acesso a cargos, empregos e funções públicas (concurso público);
– intermediação irregular de mão-de-obra no serviço público importa em violação múltipla ao princípio da legalidade, com a precarização de contratos de trabalho mediante paga de ágio ao atravessador em prejuízo do piso salarialdescumprimento de normas de saúde, segurança, medicina e higiene do trabalho (terceirização até de engenheiros e técnicos de segurança do trabalho), direitos sindicais frustradosvínculo direto elidido (arts. 2o, 3o, 29 e 41, c/c art. 9o da CLT), etc.;
– apadrinhamento político (indicação de apadrinhados para contratação pelo intermediador);
– contratação legitimadora de terceirizados (exploração dos trabalhadores de boa-fé);
– precarização dos “legitimantes” e benesses aos “legitimados” – violação de direitos x violação de piso/teto remuneratório;
– ágio do intermediador;
– esquiva da Lei de Responsabilidade Fiscal;
– “licitação” direcionada ou simulada (ex.: carta-convite, tomada de preços);
– formação de quadrilha;
– falso cooperativismo: potencializa os efeitos danosos aos trabalhadores, ao erário e à Justiça.
A terceirização irregular na saúde pública traz como conseqüências específicas, o seguinte:
– violação de diretrizes e princípios do SUS:
. falta de atendimento integral (com a terceirização o Estado deixa de prestar o serviço completo de saúde, transferindo total ou parcialmente à iniciativa privada);
. falta de participação da comunidade: com o serviço terceirizado, via de regra a comunidade não participa  (art. 1º, §2º, da Lei 8142/90 – Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Saúde);
– inobservância das normas de Direito Público – princípios da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência, pois a terceirizada atua no sistema pelas normas de Direito Privado (sem licitação, sem concurso público, etc.);
– prejuízo à formação de recursos humanos (alta rotatividade da mão-de-obra terceirizada, falta de qualificação e requalificação profissional, etc.);
– violação do princípio daintegração das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico;
– violação do princípio relativo à capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência;
– descuido com o meio ambiente de trabalho: pessoal precarizado, falta de condições de trabalho, instalações impróprias, exploração predatória de instalações públicas, etc.
Mas não é só, ocorre ainda:
Comprometimento da formalização e execução de política de recursos humanos na área de saúde e de seus objetivos: falta de organização do sistema de formação de recursos humanos em todos os níveis de ensino, inclusive de pós-graduação, além da elaboração de programas de permanente aperfeiçoamento de pessoal; falta de valorização da dedicação exclusiva aos serviços do Sistema Único de Saúde-SUS. A potencialidade danosa da terceirização na saúde pública verte-se também em outros efeitos nefastos:
– na múltipla violação do ordenamento jurídico vista acima, encontram-se condutas e atos administrativos violadores da moralidade pública que importam lesão aos direitos sociais das pessoas que prestam serviços;
– na contratação irregular via intermediação ilícita, há multiplicação de ações trabalhistas – Súmulas 363 e 331 (impeditivas de vínculo direto com o órgão público, por falta de concurso), com responsabilização subsidiária do ente tomador;
– valor social do trabalho: fundamento da República vilipendiado com a terceirização irregular no serviço público;
– improbidade administrativa: violação de princípios administrativos, enriquecimento ilícito, lesão ao erário;
– serviço público mal prestado ao usuário: população descoberta;
– saúde: consequências desastrosas – evento morte/lesão corporal (falta de medicamentos, de recursos para preservação da vida, de condições e instrumentos de trabalho, responsabilização do profissional de saúde, comprometimento do sistema previdenciário, aumento da litigiosidade judiciária, exploração predatória das instalações, equipamentos e pessoal, etc.).

Prestação de serviços de saúde por cooperativas e organizações sociais

Outra possibilidade relativa às terceirizações na saúde pública diz respeito à prestação de serviços de saúde por cooperativas e organizações sociais.
Em princípio, a ideia de auto-organização das pessoas em cooperativas é interessante, como também a cooperação de entidades do terceiro setor (organizações da sociedade civil), porém, a experiência denota que na grande maioria dos casos, a intervenção destas entidades na saúde pública beira sempre o ilícito e não a legalidade.
Com relação às cooperativas, alguns cuidados da praxe trabalhista devem ser observados:
– prevalência do aspecto formal x aspecto real(pseudo-cooperativas ou cooperativas de fachada, os diretores auferem lucros e os cooperados são precarizados, realizando-se reuniões com pouca ou nenhuma representação ou poder de deliberação dos associados);
– autonomia, participação do cooperado, detenção dos meios de produção;
– avaliação da suposta relação autônoma dos cooperados x subordinaçãodos cooperados;
– Discrepância remuneratória: cúpula x “cooperado”.
Há de se destacar também que a contratação de falsas cooperativas pelo Poder Público implica em quebra do princípio da isonomiaentre os participantes de licitação, já que a redução ilegal de encargos sociais obtida por essas entidades a custa da precarização dos trabalhadores as coloca em posição privilegiada na concorrência de preços.
Detectada a presença de pseudo-cooperativa na prestação de serviços de saúde, ante o princípio da primazia da realidade que orienta a aplicação do Direito do Trabalho, afasta-se a regra do art. 442, parágrafo único, da CLT, em favor da norma geral do art. 9º:

“Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”

Inobstante, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 3711/2008, de conteúdo particularmente perigoso na temática. Eis o teor da proposição:

“Art. 1º. É assegurado aos seguintes profissionais de saúde de nível superior a organização sob a forma de cooperativa, com o objetivo de prestação de serviços aos estabelecimentos de saúde.
I – Médicos
II – Fisioterapeutas
III – Terapeutas Ocupacionais
IV – Fonoaudiólogos
V – Odontólogos
Art. 2º. Não haverá vínculo empregatício entre o profissional de saúde e o respectivo estabelecimento contratante, desde que o cooperado tenha liberdade de fazer-se substituir na escalade atendimentos por outros cooperados, que atendam os mesmos requisitos fixados pelo estabelecimento, na forma do artigo 3º.

Art. 5º. Desde que atendidos os pressupostos contidos nesta lei, a aplicação de penalidade trabalhista decorrentes do reconhecimento da relação de emprego pela autoridade administrativa deverá ser precedida de decisão irrecorrível da Justiça do Trabalho, reconhecendo a relação de emprego.

Caso venha a ser aprovado nos moldes em que vazado, abertas estarão as portas da Administração Pública para fraudes de todo o gênero na saúde, já que o poder de polícia do Estado, na inspeção do trabalho, está sendo completamente retirado em prol de decisão irrecorrível da Justiça do Trabalho, a qual, sabe-se, pode levar anos para se consolidar, no que se vislumbra duvidosa constitucionalidade do art. 5º proposto. De outra parte, a mera liberdade de substituição de atendimentos por cooperados não é um parâmetro técnico seguro para aferir a licitude da cooperativa, cujo funcionamento regular depende das demais condições acima abordadas.
No que diz respeito às organizações sociais, sua previsão legal está contida na Lei 9637/98:

“Art. 1º. O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei”

Na contratação de organizações sociais pode ser dispensada a licitação para uso de bens públicos, de acordo com o art. 12, §3°, do referido Diploma Legal, porém, não para a gestão, que é a hipótese mais comum de ocorrência na saúde pública.
O art. 7º da Lei 9637/98 estipula que nos contratos de gestão com as organizações sociais deverão ser observadas as seguintes regras:
– observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade;
– especificação do programa de trabalho proposto;
– estipulação das metas e prazos;
– critérios objetivos de avaliação de desempenho;
– indicadores de qualidade e produtividade;
– estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais.
Ainda, deverão ser observados os princípios do SUS (art. 18).
Portanto, como nos contratos de gestão da saúde pública, as organizações sociais estão submissas aos princípios do art. 37, caput, da CF. As violações às regras do Direito Administrativo sujeitam os responsáveis das organizações sociais às penalidades de improbidade administrativa, conforme dicção do art. 1º da lei 8429/92 (Lei de Improbidade Administrativa): “Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.”
E, com a aplicação das normas constitucionais que regem a Administração Pública nas contratações de gestão com as organizações sociais, estas devem observar a realização de concurso público para admissão de pessoal(art. 37, II, da CF).
Os arts. 9º e 10 da Lei 9637/98 estabelecem disciplina fiscalizadora das organizações sociais, estabelecendo que qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou bens de origem pública por OSCIP deve ser comunicada ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária do contratante, e que, havendo indícios fundados de malversação de bens ou recursos de origem pública, os responsáveis pela fiscalização representarão ao Ministério Público para fins de indisponibilidade dos bens da entidade e o seqüestro dos bens dos seus dirigentes, bem como de agente público ou terceiro, que possam ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.
Nesta seara, há uma discrepância de tratamento legislativo proposto às cooperativas de saúde em contraposição ao rigor corretamente regrado nos contratos de gestão das organizações sociais, mais um indicativo de equívoco no PL n. 3711/2008.

Atuação do Ministério Público do Trabalho na terceirização da saúde

A Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades na Administração Pública (CONAP) possui orientações extraídas de consenso em reuniões nacionais de Procuradores do Trabalho, de conteúdo genérico, mas cujo teor sinaliza a direção de atuação do Ministério Público do Trabalho nos casos de terceirização na saúde pública. Seguem:
Orientações MPT/CONAP sobre terceirização irregular na Administração Pública: – “Orientação 11.Substituição de servidor público por terceirizado. Impossibilidade. Não é possível a substituição de servidor público por terceirizado, em atividade inserida na estrutura de provimento efetivo do tomador, por importar em mera intermediação de mão de obra.” (Ata da Reunião Nacional de 09.03.2004).
– “Orientação 12. Frentes de Trabalho. Imprestabilidade como forma de arregimento de mão-de-obra. As frentes de trabalho ou quaisquer outros programas assistenciais não se prestam a servir como mecanismo de substituição de mão-de-obra a qualquer título pelo Estado.”(Ata da Reunião do dia 31.08.04).
– “Orientação 13. Contratação de equipe para atender os programas sociais. Necessidade de Concurso Público. Na execução dos programas sociais federais ou estatuais, deve ser exigido, pelo Ministério Público do Trabalho, que o órgão gestor promova a contratação de pessoal através de concurso público, ficando à livre escolha do gestor o regime jurídico aplicável, se celetista ou estatutário.”(Ata da Reunião Nacional de 19.04.2005 complementada pela Ata de Reunião Nacional de 07.11.2005).
– “Orientação 15. Terceirização. Limpeza urbana. Possibilidade. É possível a terceirização do serviço público de limpeza urbana, desde que feita por empresa especializada, que assuma a integralidade do serviço, possuindo para tanto os meios materiais e siga os preceitos da Lei 8987/95. A terceirização deve ser promovida através da figura da concessão do serviço público, seja com empresa privada, seja com entidade da administração pública indireta, sendo vedada em qualquer hipótese a mera intermediação de mão-de-obra.”

Quarteirização no serviço público

Além das implicações anteriores, constitui agravante da terceirização, pois dificulta a fiscalização das verbas públicas, aumenta o ágio, potencializa a precarização de contratos de trabalho e funciona como escudo extra para a máscara de burla ao concurso público.
O desaparecimento do sub-intermediador multiplica os efeitos danosos a trabalhadores, ao erário e à Justiça.

Programas Sociais conveniados com o Governo Federal e com os Governos Estaduais

O programa social é uma política públicaaderida espontaneamente pela municipalidade que sabe de antemão da necessidade de pessoal para execução do serviço público conveniado, o que afasta emergencialidade para as famosas “ACT’s” – admissões em caráter temporário.
A Emenda Constitucional n. 51/06, ao alterar o art. 198 da Constituição da República, vetou a terceirizaçãodas atividades correspondentes de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, exigindo a contratação direta desses profissionais pelos Municípios.
Portanto, a contratação de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias relaciona-se diretamente às execuções pelos Municípios dos programas sociais conveniados com o Governo Federal e ou Estadual, tais como PSF – Programa Saúde da Família (atualmente ESF – Estratégia Saúde da Família), PACS – Programa Agentes Comunitários de Saúde, PNCD – Programa Nacional de Controle da Dengue, PEAa – Programa de Erradicação do Aedes Aegypt, PSB – Programa Saúde Bucal, PFP – Programa Farmácia Popular, Sentinela, Esporte e Lazer, etc.
A Lei 11350/06, regulamentando a EC 51/06, disciplina a exigência de processo seletivo público de provas ou de provas e títulospara admissão de pessoas para as funções de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, priorizando o regime celetista para a regência do contrato.
Na verdade, todos os demais programas sociais conveniados com o governo federal e ou estadual, tais como PETI, PFP, PSB, Sentinela, Esporte e Lazer, Carta de Crédito FGTS, etc., embora não abrangidos textualmente pela EC 51/06 e Lei 11350/06, demandam contratação de pessoas em caráter idêntico aos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, atraindo, desta forma, por interpretação extensiva analógica, a disciplina idêntica estabelecida no art. 198 da CF e na referida lei.
Quanto ao regime do contrato, a CLT deveria ser a única opção do administrador, pois, embora os programas sociais tenham uma certa extensão temporária, fato é que podem vir a ser extintos como também o próprio gestor público pode entender em não mais prosseguir com o convênio, já que se trata de política pública. Nesta hipótese, se as admissões tiverem sido procedidas pelo regime celetista, extinto o programa/convênio, extinto estará o contrato de trabalho, ao passo que se as contratações tiverem ocorrido pelo regime estatutário, os servidores do programa ficarão pendentes em quadro em extinção, restando ao Município a dificuldade de aproveitamento desta mão-de-obra que passa a ser excedente.
Convém lembrar que, de acordo com a EC 51/06 e Lei 11350/06, as pessoas que atualmente exercem atividades nos programas sociais conveniados dos Municípios que não satisfizeram às exigências de prévia realização de certame de provas ou de provas e títulos, observados os princípios da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência, estão sujeitas à disciplina do art. 37, §2º, da CF (contrato nulo), e devem ser desligadas.

Contratações temporárias (ACT’s) e comissionamentos irregulares

Trata-se de tema incidente neste estudo, mas necessário, por ser comum a substituição de contratações temporárias e comissionamentos irregulares por terceirização ilícita após a atuação do Ministério Público.
Atualmente, todos os entes federativos fazem uso da exceção prevista no art. 37, IX, da CF, mesmo a administração indireta, e contratam temporariamente, sendo comum, nas áreas mais sensíveis de prestação de serviços do Estado ao cidadão, como a saúde e educação, tornar-se regra a exceção e serem pouquíssimos os servidores efetivos do quadro, enquanto milhares de professores, médicos e enfermeiros são admitidos em caráter temporário.
Nos Municípios brasileiros a média de contratação temporária equivale a 30% do quadro efetivo total e os comissionamentos (admissões sem concurso) representam número superior a 20% do quadro efetivo total (ex.: para 3000 efetivos, 1000 temporários e 600 comissionados), o que traduz a exata dimensão do problema e a dificuldade de implementação do concurso público como regra geral para admissões no serviço público.
As conseqüências deste nocivo comportamento dos gestores públicos são conhecidas da população:
– falta de continuidade do serviço público;
– quebra do plano de governo (projetos abandonados);
– precarização dos serviços públicos, especialmente saúde e educação públicas;
– empreguismo e apadrinhamento = curral eleitoral;
– ineficiência administrativa;
– etc.
No âmbito do Ministério Público do Trabalho, a CONAP possui as seguintes orientações sobre contratação temporária:
– “Orientação 20. Edição de lei com inobservância dos requisitos constitucionais. Inconstitucionalidade. Constatado na lei federal, estadual ou municipal que o regime da temporariedade não atende os requisitos previstos no art. 37, IX, CF, deverá ser formulado pelo membro do Ministério Público do Trabalho, pedido declaratório de inconstitucionalidade incidental no âmbito da Justiça do Trabalho, sem prejuízo da representação feita aos órgãos legitimados para a provocação do controle concentrado da constitucionalidade.” (Ata da Reunião Nacional de 09.03.2004).
– “Orientação 21. Trabalho voluntário. contratação temporária de policiais militares. Desvirtuamento. É inconstitucional lei que institua trabalho temporário de policiais militares voluntários, embasadas na Lei nº 10.029 de 20 de outubro de 2000, cabendo ao Ministério Público do Trabalho, como forma de coibir o abuso, após a instrução fática do desvirtuamento da figura do temporário/ voluntário, ajuizar ação civil pública com pedido declaratório de inconstitucionalidade incidental no âmbito da Justiça do Trabalho, sem prejuízo da representação feita aos órgãos legitimados para a provocação do controle concentrado da constitucionalidade.” (Ata da Reunião Nacional de 31.08.2004, complementada pela Ata da Reunião Nacional de 21.03.2006).
– “Orientação 33. São critérios objetivos para aferição da regularidade da contratação por prazo determinado, nos termos do art. 37, IX, da CF: a) previsão em lei; b) Processo Seletivo (em regra); c) Cumprimento das hipóteses justificadoras de excepcional interesse público previstas na lei; d) Temporariedade; e) ato administrativo motivando a contratação.”
Há que se destacar como condutas gravíssimas no âmbito da Administração Pública os comissionamentos irregulares e simulacros de licitação como burla ao concurso público, pelas conseqüências e violações ao ordenamento jurídico produzidas. No comissionamento irregular ocorre:
– quebra no princípio da universalidade do acesso a cargos, empregos e funções públicas;
– apadrinhamento direto de pessoas, em detrimento dos aprovados em concurso;
– remunerações significativamente superiores à dos cargos efetivos;
– máscara de legalidade;
– etc.
Já os simulacros de “licitação” produzem:
– encobrimento da irregular contratação de profissionais (v.g., advogados, médicos);
– falsidade, má-fé;
– quebra no princípio da universalidade de acesso ao serviço público;
– ofensa ao direito dos aprovados no certame para a vaga;
– etc.
Em ambos os ilícitos, respondem tanto o gestor contratante quanto o profissional contratado, que inegavelmente participou e contribuiu para a ilicitude (profissionais apresentando propostas, documentos e currículos no “certame licitatório”), sendo certo que todos os integrantes da empresa/escritório “vencedor” auferem, de forma direta – remuneração percebida per capita, ou indireta – composição das rendas do escritório, vantagem indevida pela burla ao concurso público, pelo custo extra aos cofres públicos em comparação com a realização de concurso ou simples chamada de aprovados, etc.
Consequência: improbidade administrativa dos agentes públicos e partícipes da iniciativa privada.
Sobre comissionamento irregular, a CONAP/MPT possui as seguintes orientações:
– “Orientação 18. Cargos em comissão e funções de confiança. Formas de criação e caracterização. Na administração direta, os cargos em comissão deverão ser criados por lei, sendo de livre nomeação do administrador, estando destinados, exclusivamente, às funções de chefia, direção e assessoramento superior. Na administração paraestatal, os cargos comissionados poderão ser criados por ato interno da pessoa jurídica, e também se destinam, exclusivamente, às funções de chefia, direção e assessoramento superior.” (Ata da Reunião Nacional de 31.08.2004, referendado na Ata da Reunião Nacional de 07.11.2005).
– “Orientação 19. Desvirtuamento. Cargos em comissão e funções de confiança, criados por lei. Inconstitucionalidade. Constatado na lei federal, estadual ou municipal que a destinação de cargos em comissão ou das funções de confiança não seja, exclusivamente, para as funções de direção, chefia e assessoramento (CF, Art. 37, V), deverá ser formulado pelo membro do Ministério Público do Trabalho, pedido declaratório de inconstitucionalidade incidental no âmbito da Justiça do Trabalho, sem prejuízo da representação feita aos órgãos legitimados para a provocação do controle concentrado da constitucionalidade.” (Ata da Reunião Nacional de 09.03.2004, referendado na Ata da Reunião Nacional de 07.11.2005 ).
Em algumas localidades é comum encontrar a chamada “máfia branca”, que nada mais é do que a organização de verdadeiro cartel para frustração de concurso público, em que profissionais da saúde se reúnem e passam a fixar os preços da prestação de serviços, decidindo entre si quem fica com qual Prefeitura/órgão público, mediante contratos por “tomada de preços”, “carta-convite”, etc. (simulacro de “licitação”). O MPT possui orientação sobre a matéria:
– “Orientação n. 25. Contratação de médicos e dentistas em municípios de difícil acesso. Concurso público inviabilizado por formação de cartéis. O concurso público deve ser exigido para a contratação de médicos e dentistas em municípios de difícil acesso. Na hipótese de se constatar, no caso concreto, a formação de cartéis de médicos e dentistas, a fim de inviabilizar o preenchimento das vagas por concurso público, o Procurador do Trabalho oficiante deverá promover discussões com outros ramos do Ministério Público e da sociedade civil do Município diretamente afetado, de modo a conscientizar a população local e as autoridades públicas municipais acerca dos riscos que tais medidas representam para a saúde da população.” (Ata da Reunião Nacional de 18.04.2005).
Destarte, tais condutas nada mais são do que variantes de um mesmo tema: formas diversas de violação do princípio da universalidade de acesso à Administração Pública, expresso no art. 5º, caput, c/c art. 37, caput, II e §2º da Constituição da República. Do quanto visto até aqui, a terceirização da saúde pública se enquadra como modalidade específica, juntamente com as genéricas já conhecidas do Ministério Público, e que também podem ocorrer na saúde:
– admissão direta sem concurso público ou com sua burla para cargos e empregos públicos;
– execução de programas sociais através de admissões irregulares ou terceirização e quarteirização;
– falsas contratações temporárias;
– admissões “em comissão”;
– fraudes no concurso para admissão irregular;
– contratos verbais;
– “licitações” com pessoas físicas;
– contratação de “Autônomos”;
– “pejotização”;
– formas anômalas de prestação de serviços (“bolsistas”, “voluntários”, “pesquisadores”, etc.);
– plano de cargos e salários e transposições inconstitucionais;
– falso cooperativismo;
– desvirtuamento de estágio;
– etc.
E como agravantes desse quadro de burla ao concurso, podem ser encontradas as seguintes condutas dos gestores públicos:
– mora contumaz na realização de concurso;
– renitência na convocação de concursados;
– nepotismo;
– abertura de número ínfimo de vagas (concurso “faz-de-conta”);
– etc.
Vale insistir nos efeitos deletérios deste nefasto comportamento administrativo:
– ferimento do princípio da igualdade no acesso;
– ineficiência administrativa;
– apadrinhamento e criação de currais eleitorais;
– frustração da expectativa da massa que almeja o serviço público;
– criação de ambiente propício para corrupção;
– descrédito da Administração Pública;
– múltipla lesão aos princípios vetores da AP;
– desqualificação profissional do servidor;
– falta de cobertura previdenciária e ferimento de direitos sociais;
– desprezo do valor social do trabalho;
– mau exemplo estatal;
– má-gestão do serviço público;
– etc.

Sintomas de má-gestão do serviço público

Para aferir um quadro de terceirização irregular na saúde pública, é possível seguir indicativos a partir do seguinte quadro sintomático de má-gestão do serviço público, que pode ser composto por uma ou mais das seguintes situações:
– omissão contumaz na realização de concursos;
– omissão contumaz na ampliação do quadro de pessoal;
– falta de fiscalização do serviço prestado;
– contratação irregular, terceirização exacerbada, quarteirização, assédio moral, perseguição política;
– má-alocação ou gerenciamento ineficaz de recursos humanos (escalação esdrúxula, alocação incorreta de pessoal);
– falta de condições ou de instrumentos de trabalho;
– descumprimento de normas de saúde, segurança, medicina e higiene do trabalho (meio ambiente laboral insatisfatório);
– funcionários “fantasmas”;
– etc.
A repressão destas condutas encontra enquadramento certo na legislação pátria: omau gestor pode ser responsabilizado por improbidade administrativa (Lei 8429/92).

Prevenção, repressão e combate dos ilícitos

Vistos os comportamentos irregulares na saúde pública, que não discrepam dos normalmente encontrados na Administração Pública, de forma geral, na prevenção, repressão e combate destes ilícitos são encontrados alguns problemas adicionais:
– imposição definitiva do concurso público na admissão para o serviço público x cultura de apadrinhamento político;
– Termos de Ajuste de Conduta do Ministério Público: não tem sido suficientes para resolver o problema, já que, atualmente, todos os Municípios e Estados brasileiros possuem compromisso com o Ministério Público do Trabalho, persistindo, no entanto, as contratações irregulares;
– Súmula 363 do TST: não resolve a contento a situação, acabando por beneficiar o mau-administrador, prevendo como conseqüência dos contratos nulos (admissões sem concurso), apenas a paga de salários em sentido estrito e FGTS;
– os agentes públicos persistem na contratação irregular, cientes da impunidade trabalhista, já que as ações se esgotam na Súmula 363 do TST;
– já a Justiça Comum não é capaz de equacionar o problema devido ao tempo de resposta – congestionamento judiciário;
– neste senso, os MP’s dos Estados sofrem do mesmo congestionamento da Justiça na qual atuam, além de possuírem problemas locais (como discussão de orçamento, criação de Promotorias, aumento do quadro, etc., nas assembléias legislativas onde os Prefeitos foram ou serão deputados, etc.), que podem impedir o distanciamento institucional necessário para uma atuação exemplar.
A maior dificuldade atual diz respeito à instituição da cultura do concurso público, o que representa, em números, 90% dos casos de atuação do MPT na Administração Pública.
Como postura institucional adotada em sensibilização frente a esta temática encontrada no quotidiano das lides trabalhistas, o MPT/CONAP possui as seguintes orientações sobre legitimidade e atribuições no âmbito da AP:
– “Orientação 1. O Ministério Público do Trabalho é parte legítima para investigar e processar na Justiça do Trabalho questões que envolvam a terceirização irregular na administração pública, independentemente da existência de regime jurídico para o provimento dos cargos efetivos objetos da terceirização.” (Ata da Reunião Nacional de 09.03.2004)
– “Orientação 2. O Ministério Público do Trabalho é parte legítima para investigar e processar questões relativas ao ingresso irregular na Administração Pública, independentemente da existência de regime jurídico. Precedentes: STJ – CC 053038; CC 46267; CC 40009; CC 39999; AgRg no CC 33709; TST – RR -207/2002-101-17-00; RR 799012; RR – 1443/2002-911-11-00.” (Ata da Reunião Nacional de 09.03.2004, referendado na Ata da Reunião Nacional de 07.11.2005).
– “Orientação 3. Cabe ao Ministério Público do Trabalho atuar no sentido de coibir as ascensões funcionais mediante provimento derivado, exclusivamente, nas pessoas jurídicas de direito público integrantes da administração pública, requerendo, na Justiça do Trabalho, a reversão ao cargo anterior e a declaração de nulidade do progresso funcional” (Ata da Reunião Nacional de 09.03.2004).
– “Orientação 4. O Ministério Público do Trabalho é parte legítima para ingressar com Ação Civil Pública, na Justiça do Trabalho, pleiteando a responsabilização do administrador por atos de improbidade administrativa que tenha fundamento numa relação de emprego, ainda que viciada.” (Ata da Reunião Nacional de 31.08.2004, referendada na Ata da Reunião Nacional de 07.11.2005).
– “Orientação 5. O Ministério Público do Trabalho é parte legítima para investigar e processar, na Justiça do Trabalho, as questões que envolvam a revisão geral na revisão dos servidores regidos pela CLT, conforme disposição do art. 37, X, da CF (Ata da Reunião Nacional de 07.11.2005).
Evidente, também, que apenas a regularização das contratações não soluciona o problema, devendo ser promovida, de forma rigorosa, a responsabilização do gestor público que cometeu o ilícito.
Para tanto, o Ministério Público do Trabalho tem se valido do instrumento previsto na Lei 8429/92, promovendo ações de improbidade administrativa na Justiça do Trabalho, para aplicação das penalidades próprias por este tipo de comportamento dos gestores.

Conclusões

No âmbito da Administração Pública, a prática demonstra que a criatividade é usada sempre para burla da lei e não para o seu cumprimento. Frente à primeira dificuldade encontrada, o gestor público busca como “solução” o ilícito e não uma alternativa legal para contornar o problema.
Neste sentido, para as localidades que têm dificuldades na contratação de profissionais de saúde, uma solução possível seria a contratação (terceirização) de Consórcio Intermunicipal, conforme previsão do art. 10 da Lei 8080/90, sempre com concurso público.
Já como solução política para as dificuldades remuneratórias dos profissionais de saúde (cujos padrões atuais desestimulam as inscrições nos concursos públicos), pode-se citar a aprovação do Projeto de Lei 3734/2008, no Congresso Nacional, cuja redação altera o piso previsto na Lei 3999/61, passando de três salários mínimos (atualmente em torno de R$1.500,00), para R$7.000,00 para a remuneração de médicos e cirurgiões-dentistas.
Os problemas de terceirização da saúde pública vão continuar ocorrendo se não houver uma sensibilização social para o tema, já em resgate do tripúdio sobre as normas que regem o direito de saúde do cidadão, com fiscalização ampla e denúncia da sociedade (profissionais de saúde, CRM’s, CRE’S, Conselhos de Saúde, Sindicatos, etc.).
Finalmente, a punição efetiva (e não meramente em tese) dos administradores e partícipes que terceirizam ou quarteirizam irregularmente os serviços públicos de saúde, especialmente via ação civil pública de improbidade administrativa para cassação de direitos políticos e ressarcimento integral ao erário, é o caminho mais eficaz para estimular a criatividade positiva do gestor público e desencorajar a multiplicação de ilícitos.
Deste rápido estudo sobre a temática, é possível, então, concluir:
A terceirização na saúde pública é possível, em caráter complementar e acessório, para ampliação/melhoria da cobertura do SUS, podendo se dar por privatização temporária, ou terceirização propriamente dita. Quando não complementar ou acessória, ainda assim é possível a terceirização na saúde pública em caráter emergencial, porém, com observância dos princípios do Direito Público e sempre temporariamente, até que haja ampliação do SUS. Os Conselhos de Fiscalização das profissões de saúde, sindicatos e demais entidades da sociedade civil organizada devem combater a terceirização na saúde pública, considerando as conseqüências desastrosas para a população.
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Responsabilização do administrador público, na Justiça do Trabalho, pelos valores pagos ao trabalhador admitido irregularmente, ação de improbidade administrativa e Ministério Público do Trabalho. Estudo elaborado pela Comissão de Estudos da CONAP do MPT, composta por Carlos Henrique Bezerra, João Batista Berthier e Viviann Rodriguez Mattos.

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[1] Conferência proferida no XII FEMESC, em 05.06.2009, na cidade de Timbó – Santa Catarina. [2]Procurador do Trabalho, em exercício na Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região – SC, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, Pós-graduado em Trabalho Escravo pela Faculdade de Ciência e Tecnologia da Bahia, Coordenador Regional da ESMPU, Coordenador Regional da Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades na Administração Pública, Diretor Legislativo do IPEATRA – Instituto de Estudos e Pesquisas Avançadas da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho, Ex-Becário do Curso Turim-Bologna-Toledo de Especialização em Relações Laborais (OIT, Università di BolognaUniversidad Castilla-La Mancha), Formação especializada em Direitos Humanos pela Universidad Pablo de Olavide e Colégio de América (Sevilla, Espanha). [3] Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, e dá outras providências. Terceirização na Saúde Pública[1]
Marcelo José Ferlin D’Ambroso[2]

S U M Á R I O

Saúde Pública Modalidades de Prestação dos Serviços de Saúde no Brasil Terceirização da Saúde Pública Possibilidades e Limites da Terceirização na Saúde Pública Ilegalidades das Terceirizações da Saúde Pública Conseqüências da Terceirização Ilícita na Saúde Pública Prestação de Serviços de Saúde por Cooperativas e Organizações Sociais Atuação do Ministério Público do Trabalho na Terceirização da Saúde Quarteirização Programas Sociais conveniados com o Governo Federal e com os Governos Estaduais Contratações Temporárias (ACT’s) e Comissionamentos Irregulares Sintomas de Má-Gestão do Serviço Público Prevenção, Repressão e Combate dos Ilícitos Conclusões Referências Bibliográficas
Saúde Pública

Primeiramente, cabe prestar um tributo à importância do tema a ser desenvolvido, e, no particular, o Subprocurador-Geral da República, Dr. WAGNER GONÇALVES esclarece com muita propriedade que “o direito à vida, como direito humano básico, é o fundamento primeiro de qualquer Constituição que se queira democrática, pluralista, onde prevaleça (ou deva prevalecer) a igualdade e a justiça, como valores supremos da sociedade”.
Com efeito, os fundamentos constitucionais do direito à saúde encontram-se logo nos primeiros artigos da Constituição da República, cujo art. 6º o elenca como um direito social básico do cidadão:

“Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (sublinhou-se)

Mas são dos próprios fundamentos da República que emana a valorização primordial da saúde, em especial dos postulados contidos no art. 1º, II e III, da CF:
– cidadania;
– dignidade da pessoa humana;
– valores sociais do trabalho (saúde enquanto serviço de ordem pública).
Também os objetivos fundamentais da República contemplam o direito à saúde, sem a concretização do qual não é possível pensar na:
– construção de uma sociedade livre, justa e solidária;
– redução das desigualdades sociais;
– promoção do bem de todos;
– erradicação da pobreza e da marginalização;
– garantia do desenvolvimento nacional.
De outro norte, tratando-se o direito à saúde de um direito social fundamental do cidadão de primeira grandeza, é indubitável a possibilidade de seu pleno e imediato exercício e exigibilidade, já que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, na forma do art. 5º, §1º, da CF.
Neste senso, o art. 37, caput, da CF, ao destacar o princípio da eficiência na Administração Pública, impõe ao administrador o dever da eficiência na prestação de serviços de saúde pública, como direito de todos e dever do Estado(art. 196 da CF).
É o que diz textualmente o art. 2º da Lei 8080/90[3], elencando o direito à saúde como direito fundamental do ser humano, e estatuindo a missão estatal de prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
Referido Diploma Legal, em seu art. 3º, reconhece como fatores determinantes e condicionantes da saúde:
– alimentação;
– renda;
– moradia;
– educação;
– saneamento básico;
– transporte;
– meio ambiente;
– lazer;
– acesso a bens e serviços essenciais.
E na lei está dito que “os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País”, denotando, uma vez mais, a importância da saúde no contexto político-jurídico pátrio.

Modalidades de prestação dos serviços de saúde

O art. 197 da CF estabelece que a execução das ações e serviços de saúde se dará:
– através do Poder Público diretamente;
– ou através de terceiros, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
As ações e serviços de saúde da Administração Pública direta e indireta correspondem ao denominado Sistema Único de Saúde (SUS).
Já para a iniciativa privada, a Constituição (art. 199) – reservou a condição de assistência à saúde, caracterizada pela atuação, por iniciativa própria, de profissionais liberais, legalmente habilitados e de pessoas jurídicas e de direito privado na promoção, proteção e recuperação da saúde (art. 20 da Lei 8080/90).
Portanto, enquanto o Sistema Único de Saúde opera com financiamento de recursos públicos, prevê a Carta Republicana que a iniciativa privada obedecerá as seguintes diretrizes na prestação de serviços de saúde:
– participação de forma complementar do SUS;
– observância das diretrizes do SUS, mediante contrato de direito público ou convênio;
– preferência: entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos;
– vedações: destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos;
– não é permitida a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde, salvo nos casos previstos em lei.
Tornando ao sistema único de saúde, reza a Carta Magna que o mesmo compreende as ações para garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social, e, também,dentre outras atividades:
– ações e serviços de saúde (art. 198): promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas (art. 5º, III, da Lei 8080/90);
– execução das ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador (art. 200);
– ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde (art. 200);
– incremento do desenvolvimento científico e tecnológico (art. 200);
– colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho (art. 200).
São diretrizes do SUS (art. 198):
– descentralização;
– atendimento integral: conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema (princípio contido no art. 7º, II, da Lei 8080/90);
– participação da comunidade.
Tecidas estas considerações iniciais e necessárias para contextualizar o problema quanto à saúde pública, seu regramento constitucional-legal e o papel da iniciativa privada, passa-se à abordagem da terceirização em tão sensível atividade.

Terceirização da saúde pública

À vista do rigor constitucional-legal no trato da saúde pública, duas primeiras conclusões saltam aos olhos: 1) que a prestação deste serviço é de responsabilidade primária estatal, ante a posição do Estado como garante e provedor das condições indispensáveis ao exercício do direito à saúde; 2) que o papel da iniciativa privada se dá em caráter meramente complementar à atividade estatal e, mesmo assim, em obediência às diretrizes do sistema único de saúde.
Pois bem, partindo de tais premissas, de antemão se percebe que a terceirização de uma atividade primária só pode ocorrer de forma excepcional, e, em se tratando de exceção, primeiramente, é vital identificar os problemas e condições capazes de fomentar a sua ocorrência/opção pelo administrador público. Neste norte, são problemas que gravitam no entorno da saúde pública pátria:
– demanda x escassez de profissionais de saúde;
– baixa remuneração de médicos;
– Municípios de difícil acesso ou de condições particulares de difícil provimento (distância da capital e centros maiores, população pequena, falta de atrativos, equipamentos médico-hospitalares de alto custo, etc.);
– limites de pessoal com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00);
– cartéis de saúde (estabelecimentos privados e profissionais liberais com influência política na comunidade);
– pseudo-cooperativas (empresas mascaradas de “cooperativas” para barateamento dos custos);
– corrupção administrativa;
– má-gestão pública;
– falta de conhecimento/assessoramento jurídico adequado do gestor público.
Evidentemente que as normas buscam as condições ideais de convívio em sociedade, podendo haver distância entre a previsão legal e a situação fática da vida. No particular, são conhecidas as dificuldades relativas à saúde pública no Brasil e, o Estado brasileiro, na sua atual condição de provedor de saúde, deixa muito a desejar, estando a anos-luz da previsão constitucional. De modo que, além das condições acima citadas, esta, em particular, agrava especialmente e propicia uma verdadeira inversão do valor constitucional-legal ao ponto da iniciativa privada prover com muito mais qualidade a prestação de serviços de saúde.
Partindo desta realidade, quais os limites da terceirização na saúde pública?
– o limite legal está expresso na Lei 8080/90, arts. 24 e segs.: quando as disponibilidades do SUS são insuficientes para cobertura assistencial à população local – permite-se contratação da iniciativa privada;
– segundo, a atuação de terceiros é prevista como complementarprestada preferencialmente por entidades filantrópicas e sem fins lucrativos
– quando houver contrato com instituição privada com fins lucrativos não pode haver destinação de recursos públicos (auxílios ou subvenções);
– a formalização da terceirização se dá sempre mediante contrato ou convênio, com observância do Direito Público,ou seja, obrigatoriedade de licitação, etc.;
– submissão dos serviços contratados às normas técnicas, administrativas, princípios e diretrizes do SUS;
– Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/00), art. 18, §1º: prevê que seja feita a contabilização das despesas de terceirização em “outras despesas de pessoal”.
Obviamente, estes são os limites diretamente relacionados ao direito à prestação do serviço de saúde, mas há também os trabalhistas, ligados à execução propriamente dita, por pessoas (mão-de-obra). Quanto a estes, a diretriz básica é a da Súmula 331 do TST:

“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666/93).”

Salienta-se, pois, que a regra geral interpretativa do Direito do Trabalho veda terceirização em atividade-finalística, permitindo apenas a subcontratação de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador (e, ainda assim, se inexistente a pessoalidade e a subordinação direta).
Por esta mesma interpretação, terceirizado o serviço de saúde (ou seja, do Estado para a iniciativa privada, dentro dos limites supra-expostos), completamente vedada está a chamada “quarteirização”, ou seja, a subcontratação pelo prestador da iniciativa privada que, ao fim e ao cabo, deverá fazer as vezes do Estado na execução e entrega do serviço de saúde ao cidadão.

Possibilidades e limites da terceirização da saúde pública

Em se tratando de terceirização da saúde pública, é interessante anotar que o termo compreende duas formas bastante distintas para os efeitos da legislação trabalhista:
Mediante contrato, convênio ou termo de parceria de gestão: é a transferência da unidade de saúde pública para gerenciamento, execução e prestação de serviços públicos de saúde pela entidade privada contratada, ou seja, por outras palavras, PRIVATIZAÇÃO. Na privatização, desaparece o servidor público, passando a unidade a contar com o pessoal contratado diretamente pelo gestor privado; Mediante contrato ou termo de parceria para prestação de serviços públicos de saúde: contratação de mão-de-obra complementar para prestação de serviços em toda a unidade de saúde pública ou em determinado setor, ou fora dela – TERCEIRIZAÇÃOpropriamente dita. Na terceirização, o servidor público pode conviver ou não com o funcionário terceirizado. No primeiro caso, se não há aumento da capacidade instalada para cobertura da população, ocorre franca violação do art. 24 da Lei 8080/90, já que o serviço de saúde passa à iniciativa privada de forma total e não em caráter complementar, o que se caracteriza como ato INCONSTITUCIONAL E ILEGAL, e aqui se enquadra a imensa maioria das hipóteses de contratação do Poder Público com terceiros, pois geralmente o Estado (União, Estados, Municípios ou Distrito Federal, seja administração direta ou indireta) constrói e finaliza a unidade de saúde (inclusive com equipamentos), e depois simplesmente a entrega para administração da iniciativa privada, sem qualquer melhoria do serviço (ou, muitas vezes, com máscaras de “melhorias” para aparência de legalidade).
Já nas raras hipóteses de privatização em que há efetiva melhoria do serviço, e, portanto, e em tese, dentro da legalidade, o gestor privado, por ter assumido a unidade de saúde (e, assim, adquirido a atividade primária do Estado), já estaria na condição de terceiro e, como tal, sem condições de subcontratar, ou seja, “quarteirizar”, porque desta forma estaria transmitindo a outrem sua atividade-fim, além de subverter o resultado da licitação e precarizar o serviço mediante ágio. Interessante destacar que, ante o posicionamento constitucional-legal da prestação do serviço de saúde no Brasil, só se admite a privatização em caráter temporário, no tempo que for necessário para recomposição e reorganização plena do papel do Estado no caso concreto.
No segundo caso, de terceirização propriamente dita, as circunstâncias determinarão a legalidade, se a terceirização está sendo usada para suprir carência permanente de pessoal, se meramente para substituir mão-de-obra efetiva, ou se é para aprimorar a prestação do serviço de saúde mediante ampliação do atendimento à comunidade.
Neste particular, vislumbram-se as seguintes possibilidades de terceirização lícita na saúde pública:
– prestação de atividades-meio (limpeza, vigilância, conservação, copeiragem);
– prestação de serviços especializados (fora da unidade de saúde ou, se dentro, mediante incremento das instalações com os meios e instrumentos para prestação do serviço terceirizado, sendo que, neste caso sempre que não haja correspondência da atividade terceirizada com as de servidor do quadro).
Como hipóteses de serviços especializados, nas condições acima, podem-se elencar:
– consultas (de alto grau de especialização);
– exames;
– serviços de apoio (radiologia, etc., variando caso a caso, conforme a necessidade do ente público);
– outros serviços especializados ligados à atividade-meio.
Destarte, para aferição da licitude da terceirização da saúde pública, podem ser listadas as seguintes características essenciais como conditio sine qua non:
– complementariedade;
– acessoriedade;
– ampliação/melhoria do serviço público pela parceria com a iniciativa privada;
– preferência às entidades filantrópicas ou sem fins lucrativos;
– temporariedade.
E dentro dos critérios supra explanados que dimensionam a licitude, possibilidade e limites da terceirização, em contrapartida podem ser elencados os seguintes indicadores de ilegalidade:
– existência de cargos/empregos correlatos previstos no quadro de pessoal do órgão público contratante do prestador;
– falta de autonomia do pessoal contratado frente ao órgão público tomador;
– gasto superior à contratação direta (ágio do intermediador);
– falta de licitação (“dispensa por inexigibilidade”, v.g.);
– falsa licitação ou máscara de licitação (ex.: tomada de preço, carta-convite viciadas);
– contratação de empresa/entidade inidônea;
– permanência das mesmas pessoas na prestação de serviços (ex.: “ACT”, “comissionado” vira “terceirizado”, “cooperado”, “bolsista”, “pesquisador”, etc.);
– convívio de servidores efetivos com terceirizados executando as mesmas funções;
– “pejotização” (constituição de pessoa jurídica pelo servidor para contratação como empresa/entidade para assumir a execução do serviço);
– execução de atividade finalística, permanente ou essencial à saúde pública;
– execução total dos serviços de saúde sem caráter temporário e sem qualquer ampliação ou melhoria;
– status quo ante – a prestação de serviço continua a mesma, sem ampliação, trocando apenas o prestador;
– lucratividade do prestador.

Conseqüências da terceirização irregular da saúde pública

Como toda terceirização irregular na administração pública, as conseqüências são similares, principiando pelas múltiplas violações ao ordenamento jurídico:
– burla aos princípios que regem a administração pública e ao princípio da universalidade do acesso a cargos, empregos e funções públicas (concurso público);
– intermediação irregular de mão-de-obra no serviço público importa em violação múltipla ao princípio da legalidade, com a precarização de contratos de trabalho mediante paga de ágio ao atravessador em prejuízo do piso salarialdescumprimento de normas de saúde, segurança, medicina e higiene do trabalho (terceirização até de engenheiros e técnicos de segurança do trabalho), direitos sindicais frustradosvínculo direto elidido (arts. 2o, 3o, 29 e 41, c/c art. 9o da CLT), etc.;
– apadrinhamento político (indicação de apadrinhados para contratação pelo intermediador);
– contratação legitimadora de terceirizados (exploração dos trabalhadores de boa-fé);
– precarização dos “legitimantes” e benesses aos “legitimados” – violação de direitos x violação de piso/teto remuneratório;
– ágio do intermediador;
– esquiva da Lei de Responsabilidade Fiscal;
– “licitação” direcionada ou simulada (ex.: carta-convite, tomada de preços);
– formação de quadrilha;
– falso cooperativismo: potencializa os efeitos danosos aos trabalhadores, ao erário e à Justiça.
A terceirização irregular na saúde pública traz como conseqüências específicas, o seguinte:
– violação de diretrizes e princípios do SUS:
. falta de atendimento integral (com a terceirização o Estado deixa de prestar o serviço completo de saúde, transferindo total ou parcialmente à iniciativa privada);
. falta de participação da comunidade: com o serviço terceirizado, via de regra a comunidade não participa  (art. 1º, §2º, da Lei 8142/90 – Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Saúde);
– inobservância das normas de Direito Público – princípios da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência, pois a terceirizada atua no sistema pelas normas de Direito Privado (sem licitação, sem concurso público, etc.);
– prejuízo à formação de recursos humanos (alta rotatividade da mão-de-obra terceirizada, falta de qualificação e requalificação profissional, etc.);
– violação do princípio daintegração das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico;
– violação do princípio relativo à capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência;
– descuido com o meio ambiente de trabalho: pessoal precarizado, falta de condições de trabalho, instalações impróprias, exploração predatória de instalações públicas, etc.
Mas não é só, ocorre ainda:
Comprometimento da formalização e execução de política de recursos humanos na área de saúde e de seus objetivos: falta de organização do sistema de formação de recursos humanos em todos os níveis de ensino, inclusive de pós-graduação, além da elaboração de programas de permanente aperfeiçoamento de pessoal; falta de valorização da dedicação exclusiva aos serviços do Sistema Único de Saúde-SUS. A potencialidade danosa da terceirização na saúde pública verte-se também em outros efeitos nefastos:
– na múltipla violação do ordenamento jurídico vista acima, encontram-se condutas e atos administrativos violadores da moralidade pública que importam lesão aos direitos sociais das pessoas que prestam serviços;
– na contratação irregular via intermediação ilícita, há multiplicação de ações trabalhistas – Súmulas 363 e 331 (impeditivas de vínculo direto com o órgão público, por falta de concurso), com responsabilização subsidiária do ente tomador;
– valor social do trabalho: fundamento da República vilipendiado com a terceirização irregular no serviço público;
– improbidade administrativa: violação de princípios administrativos, enriquecimento ilícito, lesão ao erário;
– serviço público mal prestado ao usuário: população descoberta;
– saúde: consequências desastrosas – evento morte/lesão corporal (falta de medicamentos, de recursos para preservação da vida, de condições e instrumentos de trabalho, responsabilização do profissional de saúde, comprometimento do sistema previdenciário, aumento da litigiosidade judiciária, exploração predatória das instalações, equipamentos e pessoal, etc.).

Prestação de serviços de saúde por cooperativas e organizações sociais

Outra possibilidade relativa às terceirizações na saúde pública diz respeito à prestação de serviços de saúde por cooperativas e organizações sociais.
Em princípio, a ideia de auto-organização das pessoas em cooperativas é interessante, como também a cooperação de entidades do terceiro setor (organizações da sociedade civil), porém, a experiência denota que na grande maioria dos casos, a intervenção destas entidades na saúde pública beira sempre o ilícito e não a legalidade.
Com relação às cooperativas, alguns cuidados da praxe trabalhista devem ser observados:
– prevalência do aspecto formal x aspecto real(pseudo-cooperativas ou cooperativas de fachada, os diretores auferem lucros e os cooperados são precarizados, realizando-se reuniões com pouca ou nenhuma representação ou poder de deliberação dos associados);
– autonomia, participação do cooperado, detenção dos meios de produção;
– avaliação da suposta relação autônoma dos cooperados x subordinaçãodos cooperados;
– Discrepância remuneratória: cúpula x “cooperado”.
Há de se destacar também que a contratação de falsas cooperativas pelo Poder Público implica em quebra do princípio da isonomiaentre os participantes de licitação, já que a redução ilegal de encargos sociais obtida por essas entidades a custa da precarização dos trabalhadores as coloca em posição privilegiada na concorrência de preços.
Detectada a presença de pseudo-cooperativa na prestação de serviços de saúde, ante o princípio da primazia da realidade que orienta a aplicação do Direito do Trabalho, afasta-se a regra do art. 442, parágrafo único, da CLT, em favor da norma geral do art. 9º:

“Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”

Inobstante, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 3711/2008, de conteúdo particularmente perigoso na temática. Eis o teor da proposição:

“Art. 1º. É assegurado aos seguintes profissionais de saúde de nível superior a organização sob a forma de cooperativa, com o objetivo de prestação de serviços aos estabelecimentos de saúde.
I – Médicos
II – Fisioterapeutas
III – Terapeutas Ocupacionais
IV – Fonoaudiólogos
V – Odontólogos
Art. 2º. Não haverá vínculo empregatício entre o profissional de saúde e o respectivo estabelecimento contratante, desde que o cooperado tenha liberdade de fazer-se substituir na escalade atendimentos por outros cooperados, que atendam os mesmos requisitos fixados pelo estabelecimento, na forma do artigo 3º.

Art. 5º. Desde que atendidos os pressupostos contidos nesta lei, a aplicação de penalidade trabalhista decorrentes do reconhecimento da relação de emprego pela autoridade administrativa deverá ser precedida de decisão irrecorrível da Justiça do Trabalho, reconhecendo a relação de emprego.

Caso venha a ser aprovado nos moldes em que vazado, abertas estarão as portas da Administração Pública para fraudes de todo o gênero na saúde, já que o poder de polícia do Estado, na inspeção do trabalho, está sendo completamente retirado em prol de decisão irrecorrível da Justiça do Trabalho, a qual, sabe-se, pode levar anos para se consolidar, no que se vislumbra duvidosa constitucionalidade do art. 5º proposto. De outra parte, a mera liberdade de substituição de atendimentos por cooperados não é um parâmetro técnico seguro para aferir a licitude da cooperativa, cujo funcionamento regular depende das demais condições acima abordadas.
No que diz respeito às organizações sociais, sua previsão legal está contida na Lei 9637/98:

“Art. 1º. O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei”

Na contratação de organizações sociais pode ser dispensada a licitação para uso de bens públicos, de acordo com o art. 12, §3°, do referido Diploma Legal, porém, não para a gestão, que é a hipótese mais comum de ocorrência na saúde pública.
O art. 7º da Lei 9637/98 estipula que nos contratos de gestão com as organizações sociais deverão ser observadas as seguintes regras:
– observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade;
– especificação do programa de trabalho proposto;
– estipulação das metas e prazos;
– critérios objetivos de avaliação de desempenho;
– indicadores de qualidade e produtividade;
– estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais.
Ainda, deverão ser observados os princípios do SUS (art. 18).
Portanto, como nos contratos de gestão da saúde pública, as organizações sociais estão submissas aos princípios do art. 37, caput, da CF. As violações às regras do Direito Administrativo sujeitam os responsáveis das organizações sociais às penalidades de improbidade administrativa, conforme dicção do art. 1º da lei 8429/92 (Lei de Improbidade Administrativa): “Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.”
E, com a aplicação das normas constitucionais que regem a Administração Pública nas contratações de gestão com as organizações sociais, estas devem observar a realização de concurso público para admissão de pessoal(art. 37, II, da CF).
Os arts. 9º e 10 da Lei 9637/98 estabelecem disciplina fiscalizadora das organizações sociais, estabelecendo que qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou bens de origem pública por OSCIP deve ser comunicada ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária do contratante, e que, havendo indícios fundados de malversação de bens ou recursos de origem pública, os responsáveis pela fiscalização representarão ao Ministério Público para fins de indisponibilidade dos bens da entidade e o seqüestro dos bens dos seus dirigentes, bem como de agente público ou terceiro, que possam ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.
Nesta seara, há uma discrepância de tratamento legislativo proposto às cooperativas de saúde em contraposição ao rigor corretamente regrado nos contratos de gestão das organizações sociais, mais um indicativo de equívoco no PL n. 3711/2008.

Atuação do Ministério Público do Trabalho na terceirização da saúde

A Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades na Administração Pública (CONAP) possui orientações extraídas de consenso em reuniões nacionais de Procuradores do Trabalho, de conteúdo genérico, mas cujo teor sinaliza a direção de atuação do Ministério Público do Trabalho nos casos de terceirização na saúde pública. Seguem:
Orientações MPT/CONAP sobre terceirização irregular na Administração Pública: – “Orientação 11.Substituição de servidor público por terceirizado. Impossibilidade. Não é possível a substituição de servidor público por terceirizado, em atividade inserida na estrutura de provimento efetivo do tomador, por importar em mera intermediação de mão de obra.” (Ata da Reunião Nacional de 09.03.2004).
– “Orientação 12. Frentes de Trabalho. Imprestabilidade como forma de arregimento de mão-de-obra. As frentes de trabalho ou quaisquer outros programas assistenciais não se prestam a servir como mecanismo de substituição de mão-de-obra a qualquer título pelo Estado.”(Ata da Reunião do dia 31.08.04).
– “Orientação 13. Contratação de equipe para atender os programas sociais. Necessidade de Concurso Público. Na execução dos programas sociais federais ou estatuais, deve ser exigido, pelo Ministério Público do Trabalho, que o órgão gestor promova a contratação de pessoal através de concurso público, ficando à livre escolha do gestor o regime jurídico aplicável, se celetista ou estatutário.”(Ata da Reunião Nacional de 19.04.2005 complementada pela Ata de Reunião Nacional de 07.11.2005).
– “Orientação 15. Terceirização. Limpeza urbana. Possibilidade. É possível a terceirização do serviço público de limpeza urbana, desde que feita por empresa especializada, que assuma a integralidade do serviço, possuindo para tanto os meios materiais e siga os preceitos da Lei 8987/95. A terceirização deve ser promovida através da figura da concessão do serviço público, seja com empresa privada, seja com entidade da administração pública indireta, sendo vedada em qualquer hipótese a mera intermediação de mão-de-obra.”

Quarteirização no serviço público

Além das implicações anteriores, constitui agravante da terceirização, pois dificulta a fiscalização das verbas públicas, aumenta o ágio, potencializa a precarização de contratos de trabalho e funciona como escudo extra para a máscara de burla ao concurso público.
O desaparecimento do sub-intermediador multiplica os efeitos danosos a trabalhadores, ao erário e à Justiça.

Programas Sociais conveniados com o Governo Federal e com os Governos Estaduais

O programa social é uma política públicaaderida espontaneamente pela municipalidade que sabe de antemão da necessidade de pessoal para execução do serviço público conveniado, o que afasta emergencialidade para as famosas “ACT’s” – admissões em caráter temporário.
A Emenda Constitucional n. 51/06, ao alterar o art. 198 da Constituição da República, vetou a terceirizaçãodas atividades correspondentes de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, exigindo a contratação direta desses profissionais pelos Municípios.
Portanto, a contratação de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias relaciona-se diretamente às execuções pelos Municípios dos programas sociais conveniados com o Governo Federal e ou Estadual, tais como PSF – Programa Saúde da Família (atualmente ESF – Estratégia Saúde da Família), PACS – Programa Agentes Comunitários de Saúde, PNCD – Programa Nacional de Controle da Dengue, PEAa – Programa de Erradicação do Aedes Aegypt, PSB – Programa Saúde Bucal, PFP – Programa Farmácia Popular, Sentinela, Esporte e Lazer, etc.
A Lei 11350/06, regulamentando a EC 51/06, disciplina a exigência de processo seletivo público de provas ou de provas e títulospara admissão de pessoas para as funções de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, priorizando o regime celetista para a regência do contrato.
Na verdade, todos os demais programas sociais conveniados com o governo federal e ou estadual, tais como PETI, PFP, PSB, Sentinela, Esporte e Lazer, Carta de Crédito FGTS, etc., embora não abrangidos textualmente pela EC 51/06 e Lei 11350/06, demandam contratação de pessoas em caráter idêntico aos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, atraindo, desta forma, por interpretação extensiva analógica, a disciplina idêntica estabelecida no art. 198 da CF e na referida lei.
Quanto ao regime do contrato, a CLT deveria ser a única opção do administrador, pois, embora os programas sociais tenham uma certa extensão temporária, fato é que podem vir a ser extintos como também o próprio gestor público pode entender em não mais prosseguir com o convênio, já que se trata de política pública. Nesta hipótese, se as admissões tiverem sido procedidas pelo regime celetista, extinto o programa/convênio, extinto estará o contrato de trabalho, ao passo que se as contratações tiverem ocorrido pelo regime estatutário, os servidores do programa ficarão pendentes em quadro em extinção, restando ao Município a dificuldade de aproveitamento desta mão-de-obra que passa a ser excedente.
Convém lembrar que, de acordo com a EC 51/06 e Lei 11350/06, as pessoas que atualmente exercem atividades nos programas sociais conveniados dos Municípios que não satisfizeram às exigências de prévia realização de certame de provas ou de provas e títulos, observados os princípios da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência, estão sujeitas à disciplina do art. 37, §2º, da CF (contrato nulo), e devem ser desligadas.

Contratações temporárias (ACT’s) e comissionamentos irregulares

Trata-se de tema incidente neste estudo, mas necessário, por ser comum a substituição de contratações temporárias e comissionamentos irregulares por terceirização ilícita após a atuação do Ministério Público.
Atualmente, todos os entes federativos fazem uso da exceção prevista no art. 37, IX, da CF, mesmo a administração indireta, e contratam temporariamente, sendo comum, nas áreas mais sensíveis de prestação de serviços do Estado ao cidadão, como a saúde e educação, tornar-se regra a exceção e serem pouquíssimos os servidores efetivos do quadro, enquanto milhares de professores, médicos e enfermeiros são admitidos em caráter temporário.
Nos Municípios brasileiros a média de contratação temporária equivale a 30% do quadro efetivo total e os comissionamentos (admissões sem concurso) representam número superior a 20% do quadro efetivo total (ex.: para 3000 efetivos, 1000 temporários e 600 comissionados), o que traduz a exata dimensão do problema e a dificuldade de implementação do concurso público como regra geral para admissões no serviço público.
As conseqüências deste nocivo comportamento dos gestores públicos são conhecidas da população:
– falta de continuidade do serviço público;
– quebra do plano de governo (projetos abandonados);
– precarização dos serviços públicos, especialmente saúde e educação públicas;
– empreguismo e apadrinhamento = curral eleitoral;
– ineficiência administrativa;
– etc.
No âmbito do Ministério Público do Trabalho, a CONAP possui as seguintes orientações sobre contratação temporária:
– “Orientação 20. Edição de lei com inobservância dos requisitos constitucionais. Inconstitucionalidade. Constatado na lei federal, estadual ou municipal que o regime da temporariedade não atende os requisitos previstos no art. 37, IX, CF, deverá ser formulado pelo membro do Ministério Público do Trabalho, pedido declaratório de inconstitucionalidade incidental no âmbito da Justiça do Trabalho, sem prejuízo da representação feita aos órgãos legitimados para a provocação do controle concentrado da constitucionalidade.” (Ata da Reunião Nacional de 09.03.2004).
– “Orientação 21. Trabalho voluntário. contratação temporária de policiais militares. Desvirtuamento. É inconstitucional lei que institua trabalho temporário de policiais militares voluntários, embasadas na Lei nº 10.029 de 20 de outubro de 2000, cabendo ao Ministério Público do Trabalho, como forma de coibir o abuso, após a instrução fática do desvirtuamento da figura do temporário/ voluntário, ajuizar ação civil pública com pedido declaratório de inconstitucionalidade incidental no âmbito da Justiça do Trabalho, sem prejuízo da representação feita aos órgãos legitimados para a provocação do controle concentrado da constitucionalidade.” (Ata da Reunião Nacional de 31.08.2004, complementada pela Ata da Reunião Nacional de 21.03.2006).
– “Orientação 33. São critérios objetivos para aferição da regularidade da contratação por prazo determinado, nos termos do art. 37, IX, da CF: a) previsão em lei; b) Processo Seletivo (em regra); c) Cumprimento das hipóteses justificadoras de excepcional interesse público previstas na lei; d) Temporariedade; e) ato administrativo motivando a contratação.”
Há que se destacar como condutas gravíssimas no âmbito da Administração Pública os comissionamentos irregulares e simulacros de licitação como burla ao concurso público, pelas conseqüências e violações ao ordenamento jurídico produzidas. No comissionamento irregular ocorre:
– quebra no princípio da universalidade do acesso a cargos, empregos e funções públicas;
– apadrinhamento direto de pessoas, em detrimento dos aprovados em concurso;
– remunerações significativamente superiores à dos cargos efetivos;
– máscara de legalidade;
– etc.
Já os simulacros de “licitação” produzem:
– encobrimento da irregular contratação de profissionais (v.g., advogados, médicos);
– falsidade, má-fé;
– quebra no princípio da universalidade de acesso ao serviço público;
– ofensa ao direito dos aprovados no certame para a vaga;
– etc.
Em ambos os ilícitos, respondem tanto o gestor contratante quanto o profissional contratado, que inegavelmente participou e contribuiu para a ilicitude (profissionais apresentando propostas, documentos e currículos no “certame licitatório”), sendo certo que todos os integrantes da empresa/escritório “vencedor” auferem, de forma direta – remuneração percebida per capita, ou indireta – composição das rendas do escritório, vantagem indevida pela burla ao concurso público, pelo custo extra aos cofres públicos em comparação com a realização de concurso ou simples chamada de aprovados, etc.
Consequência: improbidade administrativa dos agentes públicos e partícipes da iniciativa privada.
Sobre comissionamento irregular, a CONAP/MPT possui as seguintes orientações:
– “Orientação 18. Cargos em comissão e funções de confiança. Formas de criação e caracterização. Na administração direta, os cargos em comissão deverão ser criados por lei, sendo de livre nomeação do administrador, estando destinados, exclusivamente, às funções de chefia, direção e assessoramento superior. Na administração paraestatal, os cargos comissionados poderão ser criados por ato interno da pessoa jurídica, e também se destinam, exclusivamente, às funções de chefia, direção e assessoramento superior.” (Ata da Reunião Nacional de 31.08.2004, referendado na Ata da Reunião Nacional de 07.11.2005).
– “Orientação 19. Desvirtuamento. Cargos em comissão e funções de confiança, criados por lei. Inconstitucionalidade. Constatado na lei federal, estadual ou municipal que a destinação de cargos em comissão ou das funções de confiança não seja, exclusivamente, para as funções de direção, chefia e assessoramento (CF, Art. 37, V), deverá ser formulado pelo membro do Ministério Público do Trabalho, pedido declaratório de inconstitucionalidade incidental no âmbito da Justiça do Trabalho, sem prejuízo da representação feita aos órgãos legitimados para a provocação do controle concentrado da constitucionalidade.” (Ata da Reunião Nacional de 09.03.2004, referendado na Ata da Reunião Nacional de 07.11.2005 ).
Em algumas localidades é comum encontrar a chamada “máfia branca”, que nada mais é do que a organização de verdadeiro cartel para frustração de concurso público, em que profissionais da saúde se reúnem e passam a fixar os preços da prestação de serviços, decidindo entre si quem fica com qual Prefeitura/órgão público, mediante contratos por “tomada de preços”, “carta-convite”, etc. (simulacro de “licitação”). O MPT possui orientação sobre a matéria:
– “Orientação n. 25. Contratação de médicos e dentistas em municípios de difícil acesso. Concurso público inviabilizado por formação de cartéis. O concurso público deve ser exigido para a contratação de médicos e dentistas em municípios de difícil acesso. Na hipótese de se constatar, no caso concreto, a formação de cartéis de médicos e dentistas, a fim de inviabilizar o preenchimento das vagas por concurso público, o Procurador do Trabalho oficiante deverá promover discussões com outros ramos do Ministério Público e da sociedade civil do Município diretamente afetado, de modo a conscientizar a população local e as autoridades públicas municipais acerca dos riscos que tais medidas representam para a saúde da população.” (Ata da Reunião Nacional de 18.04.2005).
Destarte, tais condutas nada mais são do que variantes de um mesmo tema: formas diversas de violação do princípio da universalidade de acesso à Administração Pública, expresso no art. 5º, caput, c/c art. 37, caput, II e §2º da Constituição da República. Do quanto visto até aqui, a terceirização da saúde pública se enquadra como modalidade específica, juntamente com as genéricas já conhecidas do Ministério Público, e que também podem ocorrer na saúde:
– admissão direta sem concurso público ou com sua burla para cargos e empregos públicos;
– execução de programas sociais através de admissões irregulares ou terceirização e quarteirização;
– falsas contratações temporárias;
– admissões “em comissão”;
– fraudes no concurso para admissão irregular;
– contratos verbais;
– “licitações” com pessoas físicas;
– contratação de “Autônomos”;
– “pejotização”;
– formas anômalas de prestação de serviços (“bolsistas”, “voluntários”, “pesquisadores”, etc.);
– plano de cargos e salários e transposições inconstitucionais;
– falso cooperativismo;
– desvirtuamento de estágio;
– etc.
E como agravantes desse quadro de burla ao concurso, podem ser encontradas as seguintes condutas dos gestores públicos:
– mora contumaz na realização de concurso;
– renitência na convocação de concursados;
– nepotismo;
– abertura de número ínfimo de vagas (concurso “faz-de-conta”);
– etc.
Vale insistir nos efeitos deletérios deste nefasto comportamento administrativo:
– ferimento do princípio da igualdade no acesso;
– ineficiência administrativa;
– apadrinhamento e criação de currais eleitorais;
– frustração da expectativa da massa que almeja o serviço público;
– criação de ambiente propício para corrupção;
– descrédito da Administração Pública;
– múltipla lesão aos princípios vetores da AP;
– desqualificação profissional do servidor;
– falta de cobertura previdenciária e ferimento de direitos sociais;
– desprezo do valor social do trabalho;
– mau exemplo estatal;
– má-gestão do serviço público;
– etc.

Sintomas de má-gestão do serviço público

Para aferir um quadro de terceirização irregular na saúde pública, é possível seguir indicativos a partir do seguinte quadro sintomático de má-gestão do serviço público, que pode ser composto por uma ou mais das seguintes situações:
– omissão contumaz na realização de concursos;
– omissão contumaz na ampliação do quadro de pessoal;
– falta de fiscalização do serviço prestado;
– contratação irregular, terceirização exacerbada, quarteirização, assédio moral, perseguição política;
– má-alocação ou gerenciamento ineficaz de recursos humanos (escalação esdrúxula, alocação incorreta de pessoal);
– falta de condições ou de instrumentos de trabalho;
– descumprimento de normas de saúde, segurança, medicina e higiene do trabalho (meio ambiente laboral insatisfatório);
– funcionários “fantasmas”;
– etc.
A repressão destas condutas encontra enquadramento certo na legislação pátria: omau gestor pode ser responsabilizado por improbidade administrativa (Lei 8429/92).

Prevenção, repressão e combate dos ilícitos

Vistos os comportamentos irregulares na saúde pública, que não discrepam dos normalmente encontrados na Administração Pública, de forma geral, na prevenção, repressão e combate destes ilícitos são encontrados alguns problemas adicionais:
– imposição definitiva do concurso público na admissão para o serviço público x cultura de apadrinhamento político;
– Termos de Ajuste de Conduta do Ministério Público: não tem sido suficientes para resolver o problema, já que, atualmente, todos os Municípios e Estados brasileiros possuem compromisso com o Ministério Público do Trabalho, persistindo, no entanto, as contratações irregulares;
– Súmula 363 do TST: não resolve a contento a situação, acabando por beneficiar o mau-administrador, prevendo como conseqüência dos contratos nulos (admissões sem concurso), apenas a paga de salários em sentido estrito e FGTS;
– os agentes públicos persistem na contratação irregular, cientes da impunidade trabalhista, já que as ações se esgotam na Súmula 363 do TST;
– já a Justiça Comum não é capaz de equacionar o problema devido ao tempo de resposta – congestionamento judiciário;
– neste senso, os MP’s dos Estados sofrem do mesmo congestionamento da Justiça na qual atuam, além de possuírem problemas locais (como discussão de orçamento, criação de Promotorias, aumento do quadro, etc., nas assembléias legislativas onde os Prefeitos foram ou serão deputados, etc.), que podem impedir o distanciamento institucional necessário para uma atuação exemplar.
A maior dificuldade atual diz respeito à instituição da cultura do concurso público, o que representa, em números, 90% dos casos de atuação do MPT na Administração Pública.
Como postura institucional adotada em sensibilização frente a esta temática encontrada no quotidiano das lides trabalhistas, o MPT/CONAP possui as seguintes orientações sobre legitimidade e atribuições no âmbito da AP:
– “Orientação 1. O Ministério Público do Trabalho é parte legítima para investigar e processar na Justiça do Trabalho questões que envolvam a terceirização irregular na administração pública, independentemente da existência de regime jurídico para o provimento dos cargos efetivos objetos da terceirização.” (Ata da Reunião Nacional de 09.03.2004)
– “Orientação 2. O Ministério Público do Trabalho é parte legítima para investigar e processar questões relativas ao ingresso irregular na Administração Pública, independentemente da existência de regime jurídico. Precedentes: STJ – CC 053038; CC 46267; CC 40009; CC 39999; AgRg no CC 33709; TST – RR -207/2002-101-17-00; RR 799012; RR – 1443/2002-911-11-00.” (Ata da Reunião Nacional de 09.03.2004, referendado na Ata da Reunião Nacional de 07.11.2005).
– “Orientação 3. Cabe ao Ministério Público do Trabalho atuar no sentido de coibir as ascensões funcionais mediante provimento derivado, exclusivamente, nas pessoas jurídicas de direito público integrantes da administração pública, requerendo, na Justiça do Trabalho, a reversão ao cargo anterior e a declaração de nulidade do progresso funcional” (Ata da Reunião Nacional de 09.03.2004).
– “Orientação 4. O Ministério Público do Trabalho é parte legítima para ingressar com Ação Civil Pública, na Justiça do Trabalho, pleiteando a responsabilização do administrador por atos de improbidade administrativa que tenha fundamento numa relação de emprego, ainda que viciada.” (Ata da Reunião Nacional de 31.08.2004, referendada na Ata da Reunião Nacional de 07.11.2005).
– “Orientação 5. O Ministério Público do Trabalho é parte legítima para investigar e processar, na Justiça do Trabalho, as questões que envolvam a revisão geral na revisão dos servidores regidos pela CLT, conforme disposição do art. 37, X, da CF (Ata da Reunião Nacional de 07.11.2005).
Evidente, também, que apenas a regularização das contratações não soluciona o problema, devendo ser promovida, de forma rigorosa, a responsabilização do gestor público que cometeu o ilícito.
Para tanto, o Ministério Público do Trabalho tem se valido do instrumento previsto na Lei 8429/92, promovendo ações de improbidade administrativa na Justiça do Trabalho, para aplicação das penalidades próprias por este tipo de comportamento dos gestores.

Conclusões

No âmbito da Administração Pública, a prática demonstra que a criatividade é usada sempre para burla da lei e não para o seu cumprimento. Frente à primeira dificuldade encontrada, o gestor público busca como “solução” o ilícito e não uma alternativa legal para contornar o problema.
Neste sentido, para as localidades que têm dificuldades na contratação de profissionais de saúde, uma solução possível seria a contratação (terceirização) de Consórcio Intermunicipal, conforme previsão do art. 10 da Lei 8080/90, sempre com concurso público.
Já como solução política para as dificuldades remuneratórias dos profissionais de saúde (cujos padrões atuais desestimulam as inscrições nos concursos públicos), pode-se citar a aprovação do Projeto de Lei 3734/2008, no Congresso Nacional, cuja redação altera o piso previsto na Lei 3999/61, passando de três salários mínimos (atualmente em torno de R$1.500,00), para R$7.000,00 para a remuneração de médicos e cirurgiões-dentistas.
Os problemas de terceirização da saúde pública vão continuar ocorrendo se não houver uma sensibilização social para o tema, já em resgate do tripúdio sobre as normas que regem o direito de saúde do cidadão, com fiscalização ampla e denúncia da sociedade (profissionais de saúde, CRM’s, CRE’S, Conselhos de Saúde, Sindicatos, etc.).
Finalmente, a punição efetiva (e não meramente em tese) dos administradores e partícipes que terceirizam ou quarteirizam irregularmente os serviços públicos de saúde, especialmente via ação civil pública de improbidade administrativa para cassação de direitos políticos e ressarcimento integral ao erário, é o caminho mais eficaz para estimular a criatividade positiva do gestor público e desencorajar a multiplicação de ilícitos.
Deste rápido estudo sobre a temática, é possível, então, concluir:
A terceirização na saúde pública é possível, em caráter complementar e acessório, para ampliação/melhoria da cobertura do SUS, podendo se dar por privatização temporária, ou terceirização propriamente dita. Quando não complementar ou acessória, ainda assim é possível a terceirização na saúde pública em caráter emergencial, porém, com observância dos princípios do Direito Público e sempre temporariamente, até que haja ampliação do SUS. Os Conselhos de Fiscalização das profissões de saúde, sindicatos e demais entidades da sociedade civil organizada devem combater a terceirização na saúde pública, considerando as conseqüências desastrosas para a população.
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[1] Conferência proferida no XII FEMESC, em 05.06.2009, na cidade de Timbó – Santa Catarina. [2]Procurador do Trabalho, em exercício na Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região – SC, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, Pós-graduado em Trabalho Escravo pela Faculdade de Ciência e Tecnologia da Bahia, Coordenador Regional da ESMPU, Coordenador Regional da Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades na Administração Pública, Diretor Legislativo do IPEATRA – Instituto de Estudos e Pesquisas Avançadas da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho, Ex-Becário do Curso Turim-Bologna-Toledo de Especialização em Relações Laborais (OIT, Università di BolognaUniversidad Castilla-La Mancha), Formação especializada em Direitos Humanos pela Universidad Pablo de Olavide e Colégio de América (Sevilla, Espanha). [3] Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, e dá outras providências.

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