27 de fevereiro de 2023

O STF e a ferida aberta do amianto

LEOMAR DARONCHO e LUCIANO LIMA LEIVAS – Procuradores do Trabalho

Extraído no Brasil desde a década de 1940, o amianto crisotila, fibra mineral usada principalmente na construção civil, é associado ao câncer desde 1955. A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer reconhece o amianto como cancerígeno desde 1972. A substância pode provocar mesotelioma — tumor nas membranas que revestem o pulmão (pleura) — conhecido como o câncer do amianto.

Em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) baniu o amianto em todo o território nacional, em decisão comemorada por defensores da saúde pública. O Instituto Nacional do Câncer (Inca) classificou de histórica a proibição da extração, industrialização, comercialização, distribuição e o uso do produto.

A Organização Internacional do Trabalho estima em 100 mil as mortes anuais de trabalhadores causadas pelo amianto. Na Itália, a principal marca respondeu na Justiça pela acusação de ter provocado uma catástrofe ambiental ao violar normas de segurança do trabalho, com cerca de 3 mil mortes entre trabalhadores e vizinhos da fábrica. O promotor responsável pelo caso classificou a tragédia de uma “ferida aberta”. No dia 23/1/2023, a Fundacentro divulgou a criação de banco unificado de dados com o registro de 3.057 mortes decorrentes de doenças relacionadas ao amianto no Brasil entre 1996 e 2017.

Os pesquisadores destacam a preocupação com os efeitos da contaminação ambiental acumulada, em razão da tardia proibição, indicando a importância de manter o sistema de monitoramento da saúde dos trabalhadores, dada a projeção de que seguirão surgindo vítimas após o término da exposição ocupacional. Também ressaltam a cautela com os números, que devem ser bem superiores, em razão da subnotificação. O asbesto foi proibido, a partir da década de 1990, em mais de 70 países. No Brasil, em 1993, foi apresentado o Projeto de Lei nº 2.186, que pretendia proibir o amianto. Paradoxalmente, o projeto foi convertido na lei que permitia o aproveitamento econômico do amianto.

Ao declarar inconstitucional o dispositivo legal que autorizava o aproveitamento econômico do mineral cancerígeno, o STF reconheceu as evidências de que não existe limite seguro para a exposição humana ao produto, sendo impossível o uso controlado da perigosa substância. Todavia, os efeitos da decisão foram suspensos em razão de recurso (embargos de declaração) apresentado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria e pelo Instituto Brasileiro do Crisotila, cujo julgamento é aguardado para que haja segurança jurídica na importante matéria.

No próximo dia 16, o STF deve retomar o julgamento da ação (ADI 3406), em que foi declarada a inconstitucionalidade do dispositivo que permitia o aproveitamento econômico do amianto no Brasil, pacificando a questão. Registre-se que, no início dos anos 2000, diversos estados brasileiros publicaram leis regionais de proibição do amianto, casos de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco.

Tanto a lei federal de permissão quanto as leis estaduais de proibição foram questionadas no STF. Em 2017, a Corte declarou constitucionais as leis estaduais (proibitivas) e inconstitucional a lei federal (permissiva). Contudo, o Estado de Goiás, que sedia a única mina de amianto no Brasil, em sentido contrário à decisão do STF, publicou a Lei Estadual nº 20.514/2019, permitindo a extração, o beneficiamento e a exportação do amianto da variedade crisotila.

A lei goiana, incentivada pela insegurança gerada na pendência de decisão definitiva do STF, trouxe situações concretas de absoluta insegurança jurídica. A lei de Goiás acabou sobrepondo-se ao entendimento do STF sobre a lei federal e as leis de outros estados. Em abril de 2022, um caminhão carregado de amianto goiano que se dirigia ao porto de Santos sofreu acidente na BR-153, no município de Prata (MG) lançando no ambiente cerca de 30 toneladas do produto perigoso. Porém, há lei dos estados de Minas Gerais e de São Paulo proibindo expressamente o amianto em seus territórios, sendo que a lei paulista foi declarada constitucional pelo STF.

O banimento do amianto é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como critério de saúde ambiental. A pacificação do tema pelo STF, mantendo a pauta de julgamento prevista e confirmando a decisão definitiva de banimento, que se alinha aos princípios da precaução e da prevenção e encerraria o período de retrocessos e de inseguranças, afirmando a centralidade dos direitos humanos e o protagonismo da Corte constitucional na concretização da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).

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