José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva (*)
1 Introdução. 2 Penalidades administrativas aplicadas aos empregadores. 3 Órgãos fiscalizadores das relações de trabalho. 4 Penalidades ou atos administrativos dos órgãos de fiscalização. 5 Ações de competência da Justiça do Trabalho. 6. Depósito da multa para a interposição do recurso administrativo. 7. Procedimento em mandado de segurança, execução e embargos à execução. 8. Considerações finais.
1 Introdução
Como se sabe, a Emenda Constitucional n. 45/2004[1] ampliou sobremaneira o rol de competências da Justiça do Trabalho. Muito tem sido escrito sobre esse novo rol, mas com preferente opção pelas matérias que já de início despertaram o interesse dos doutrinadores, especialmente relação de trabalho e indenizações por dano moral ou patrimonial decorrente de acidente do trabalho (incisos I e VI do art. 114 da Constituição Federal).
Neste breve artigo se pretende discorrer sobre um dispositivo que pouco tem sido debatido, mas que enceta uma nova imagem da Justiça especializada[2], haja vista que envolve as ações relativas às penalidades administrativas aplicadas pelas autoridades incumbidas da missão de fiscalizar o cumprimento das normas mínimas do direito laboral, no curso das relações de trabalho. Trata-se do inciso VII do art. 114 da Carta Fundamental. Eis sua redação:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
(…)
VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho.”
Torna-se necessário, nessa empreitada, definir com clareza quais as ações que vieram para a nova competência justrabalhista. Ocorre que no estudo da dicção do dispositivo constitucional transcrito já se verifica que algumas questões preliminares devem ser enfrentadas, para que se possa formular a definição proposta com certa segurança. Daí que se pretende, primeiro, resolver as seguintes questões: 1ª) somente as penalidades impostas aos “empregadores” estão abrangidas pela nova competência, ou também as aplicadas aos tomadores de serviço?; 2ª) quais os órgãos fiscalizadores referidos pela norma constitucional?; 3ª) somente as penalidades ensejarão as ações no segmento trabalhista, ou também outros atos das mencionadas autoridades?
Somente após a solução destas três premissas é que se torna possível definir que espécies de ação passaram à competência da Justiça do Trabalho[3], sendo que o passo seguinte será o de enfrentar alguns temas interessantes, relativos a tais ações. Ao itinerário proposto, portanto.
2 Penalidades administrativas aplicadas aos empregadores
Numa interpretação literal do inciso VII do art. 114, a conclusão é a de que apenas as penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos incumbidos da fiscalização podem resultar na propositura de ações perante a Justiça especializada. Isso porque o dispositivo constitucional, de modo claro, fez menção apenas aos “empregadores”, atraindo uma interpretação restritiva, como a que se fazia ao caput do art. 114 da Constituição Federal[4], na redação de 1988.
Entrementes, como se sabe, a interpretação literal ou gramatical é o mais pobre dos métodos de se buscar o sentido e o alcance das normas postas. De modo que faz-se necessária uma interpretação sistemática do novo rol competencial, para que se alcance uma boa exegese da norma em análise. Com esse propósito, basta uma averiguação rápida dos nove incisos do referido art. 114 para se chegar à conclusão de que apenas no inciso VII o legislador constituinte derivado ou reformador fez menção expressa a “empregadores”, pois que nos incisos I, VI e IX a expressão utilizada foi “relação de trabalho”, sendo que os demais incisos tratam de matérias específicas (direito de greve, representação sindical, garantias constitucionais, conflitos de competência e execução de contribuições sociais).
Porder-se-ia imaginar que houve mero descuido quando da elaboração do texto do novel inciso. Todavia, se o legislador expressamente referiu-se à relação de trabalho nos demais incisos, de modo a ampliar a competência da Justiça do Trabalho para além das fronteiras estreitas da relação de emprego, a ilação é a de que quis limitar o alcance das ações relativas às penalidades administrativas, para cometer à Justiça especializada apenas as ações relacionadas aos empregadores.
Outra não é a conclusão da doutrina a respeito desta questão. Marcos Neves Fava lamenta o fato de este inciso VII ter contrariado a amplitude alcançada pelos demais dispositivos do art. 114; porém, conclui que, “ante a literalidade intransponível, in casu, do inciso, não pode ser solucionado por meio da hermenêutica” o inconveniente da limitação do âmbito de atuação da Justiça do Trabalho apenas aos empregadores. De modo que “nenhum outro tomador de serviços terá incluído na competência da Justiça Laboral seu litígio de impugnação aos atos administrativos da fiscalização”. E por isso afirma que, se houver penalidade imposta pelo não recolhimento de FGTS de diretores estatutários ou pelo não recolhimento de contribuições sociais de cooperados ou terceirizados, a competência para as ações relativas a estas penalidades será da Justiça Federal e não da Justiça do Trabalho[5].
A idêntica conclusão chegou Guilherme Guimarães Feliciano, enfatizando que a Emenda Constitucional n. 45/2004 “não deixou margem a dúvidas quando outorgou à Justiça do Trabalho competência para as causas relativas às sanções administrativas impostas ao empregador, e tão-só a ele, pelos órgãos de fiscalização laboral”. Também lamenta a dissonância entre os incisos I e VII do art. 114, o primeiro deles referindo-se a “relação de trabalho”, alcançando também o trabalho eventual, autônomo, liberal ou gracioso, ao passo que o inciso VII, ao referir-se apenas a “empregadores”, limitou o campo de atuação da Justiça do Trabalho, diante da “clara e irretorquível distinção”. É certo que a parte final do inciso VII também menciona a expressão “relações de trabalho”, mas numa interpretação sistemática dos incisos I e VII, a conclusão é a de que as ações relativas às penalidades administrativas impostas a terceiros não-empregadores, ainda que se tratem de penalidades decorrentes da fiscalização do cumprimento de disposições legais e regulamentares de proteção aos trabalhadores, continuarão a ser da competência da Justiça Federal[6].
Em que pese o posicionamento unânime da doutrina a este respeito, ouso divergir para defender a idéia de que nem a interpretação literal da expressão “empregadores”, nem a interpretação sistemática do rol do art. 114 levam a uma boa definição sobre o tema. Essa interpretação restritiva, para abranger apenas as penalidades impostas aos empregadores, retirando-se da competência da Justiça especializada as ações relativas aos tomadores de serviço, afronta os princípios da unidade da Constituição e da máxima efetividade das normas constitucionais, sobretudo das que positivam os direitos fundamentais. Assim que o art. 21, inciso XXIV, da Constituição Federal disciplina que compete à União “organizar, manter e executar a inspeção do trabalho”, sendo de todos conhecido o tratamento privilegiado que se deu ao trabalho no âmbito de toda Constituição, a começar pelo reconhecimento de seu valor social como fundamento da própria República Federativa do Brasil, ao lado da dignidade da pessoa humana (incisos III e IV do art. 1º). Outrossim, a saúde do trabalhador foi reconhecida como um direito fundamental, por ser a expressão externa do direito à vida, garantida como um direito social básico (art. 6º), motivo pelo qual é direito de todos os trabalhadores, urbanos e rurais – e não apenas dos empregados –, o atinente à “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (inciso XXII do art. 7º). Por isso o Estado deve não somente editar normas de proteção à saúde do trabalhador, mas também fiscalizar rigorosamente o seu cumprimento, para manter um ambiente do trabalho propício, de modo a evitar doenças e acidentes do trabalho (art. 200, inciso VIII, e art. 225).
Pois bem, tomando em conta uma interpretação que considere a unidade da Constituição, não se pode proceder a uma interpretação restritiva como a que se tem feito ao inciso VII do art. 114 da Constituição Federal. E assim se compreende melhor a abrangência do Regulamento da Inspeção do Trabalho – Decreto n. 4.552, de 27-12-2002 –, cujo art. 1º refere-se à “proteção dos trabalhadores no exercício da atividade laboral”. Demais, o art. 114 do RIT dá conta de que não somente os empregadores, mas também os tomadores e intermediadores de serviços estão “sujeitos à inspeção do trabalho”. Por fim, o art. 18 do RIT disciplina que compete aos auditores fiscais do trabalho “verificar o cumprimento das disposições legais e regulamentares, inclusive as relacionadas à segurança e à saúde no trabalho, no âmbito das relações de trabalho e de emprego” (inciso I).
E a preocupação com a saúde do trabalhador foi tamanha que em mais seis dispositivos (incisos IX, X, XI, XII, XIII e XIV) a ela se fez menção expressa, ainda que de modo indireto, com a alusão à prevenção de doenças ocupacionais e acidentes do trabalho. De se destacar aí a possibilidade de interdição de estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou, ainda, o embargo total ou parcial de obra, quando se constatar situação de grave e iminente risco à saúde ou à integridade física dos trabalhadores (inciso XIII), como já disciplinava o art. 161 da CLT. Ora, essa providência é tão importante na aplicação do direito material protetivo que não se pode imaginar uma ação correspondente sendo ajuizada na Justiça Federal. Apenas para exemplificar, se o Superintendente ou o Gerente Regional do Trabalho não determinarem a interdição ou o embargo necessários, poderá o Ministério Público do Trabalho ajuizar uma ação para que essa medida seja tomada, sendo inquestionável que o fará na Justiça do Trabalho. De outro lado, se a interdição ou o embargo se derem sem a comprovação da situação de risco, mediante laudo técnico específico, como exigem as normas já referidas, poderá o empregador ou mesmo o tomador de serviços impetrar mandado de segurança, e, seguramente, na Justiça especializada, que é quem melhor conhece as situações de risco e as normas protetivas consubstanciadas nas inúmeras NRs – Normas Regulamentadoras – da Portaria n. 3.214/1978.
De modo que se pode afirmar, portanto, numa interpretação que leve em conta a unidade da Constituição, que também as penalidades aplicadas aos tomadores de serviço ou as medidas necessárias para a prevenção de doenças ocupacionais e acidente do trabalho, no âmbito da fiscalização das relações trabalhistas, ensejam ações de competência da Justiça especializada. Assim se promove a plena eficácia do direito à saúde do trabalhador, como um direito humano, vale dizer, como um dos valores fundamentais do sistema jurídico brasileiro, sem o qual a dignidade da pessoa humana estará seriamente ameaçada[7]. Isso porque o princípio da dignidade ontológica significa, em uma síntese muito apertada, que a pessoa humana é dotada de direitos essenciais sem cuja realização não terá forças suficientes para a conformação de sua personalidade e o seu pleno desenvolvimento enquanto pessoa[8].
3 Órgãos fiscalizadores das relações de trabalho
A exegese restritiva em torno da expressão “empregadores” pode conduzir a uma interpretação equivocada em relação aos órgãos de fiscalização das relações de trabalho. Essa interpretação levaria à conclusão de que apenas as penalidades impostas pelos auditores fiscais do trabalho – cuja carreira foi regulamentada pela Lei n. 10.593, de 6-12-2002 –, incumbidos da fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção aos trabalhadores – nos moldes do art. 626 da CLT e dos arts. 10 e 11 da mencionada lei, bem como do Decreto n. 4.552/2002 –, seriam objeto de discussão na Justiça especializada[9].
Ocorre que não apenas os auditores fiscais do trabalho fiscalizam as relações laborais, mas também os auditores fiscais da Receita Federal do Brasil. Isso porque a Lei n. 11.457/2007, que criou a “Super-Receita”, extinguiu a Secretaria da Receita Previdenciária do Ministério da Previdência Social (§ 4º do art. 2º), transformando em cargos de Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil os cargos efetivos de Auditor Fiscal da Previdência Social (art. 10, inciso I), disciplinando, ainda, que compete à Procuradoria Geral Federal representar, judicial e extrajudicialmente, a União, nos processos em trâmite na Justiça do Trabalho, relacionados à cobrança de contribuições previdenciárias, de imposto de renda retido na fonte e de multas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações do trabalho (§ 3º do art. 16). Portanto, agora são os auditores fiscais da Receita Federal do Brasil que têm por atribuição a apuração de ilícitos que se relacionem com a remuneração paga aos trabalhadores pelos empregadores, tendo em vista o interesse do INSS (ou da União) no recolhimento das contribuições sociais relacionadas às verbas de natureza salarial pagas no curso da relação de emprego[10]. Por isso referidos auditores, como autorizado pelo parágrafo único do art. 626 da CLT – que agora deve ser interpretado de acordo com a Lei n. 11.457/2007 –, têm atribuição administrativa para a fiscalização já mencionada. Já a fiscalização para a verificação de fraude no reconhecimento de vínculo de emprego, mascarado sob a roupagem de contratos autônomos, e inclusive para impor as penalidades cabíveis, deve ser levada a efeito pelos auditores fiscais do trabalho (art. 18, inciso I, “a”, do RIT). Enfim, todas as ações correspondentes a estas fiscalizações serão ajuizadas na Justiça do Trabalho e não mais na Justiça Federal.
Afirma-se que a Caixa Econômica Federal – na qualidade de Agente Operador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, nos termos dos arts. 7º e 8º da Lei n. 8.036/1990 –, tem a incumbência de fiscalizar o cumprimento da Lei do FGTS e também competência para a imposição de penalidades aos empregadores que não cumprem as obrigações constantes desta lei[11]. No entanto, a atribuição para a verificação, em nome da CEF, do cumprimento das disposições da Lei do FGTS, especialmente quanto à apuração dos débitos e aplicação das penalidades pelas infrações praticadas pelos empregadores ou tomadores de serviço, é do Ministério do Trabalho e da Previdência Social – atualmente Ministério do Trabalho e Emprego –, nos termos do art. 23 da mencionada lei e do art. 18, inciso I, “b”, do RIT. Demais, compete à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional a inscrição em Dívida Ativa dos débitos para com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, bem como a representação judicial e extrajudicial deste Fundo – o que pode fazê-lo por intermédio da CEF, mediante convênio –, para a cobrança dos tais débitos, nos termos do art. 2º da Lei n. 8.844, de 20-1-1994. Sendo assim, quanto ao FGTS não há nenhuma necessidade de comentários adicionais sobre os órgãos de fiscalização, porque serão os auditores fiscais do trabalho que exercerão tal incumbência.
Quanto aos órgãos de fiscalização das profissões liberais, como a OAB, o CRM, o CREA, o CRO, o CRAS e tantos outros, as penalidades impostas aos profissionais liberais por referidos órgãos ocorrem no campo da defesa das prerrogativas do exercício profissional e não na fiscalização das relações de trabalho, como bem ponderou Nelson Mannrich. Por isso não estão abrangidas na nova competência da Justiça do Trabalho as ações envolvendo multas impostas pelos Conselhos Regionais ou órgãos equivalentes, as quais continuam na competência da Justiça Federal, ainda que os fiscais dos referidos Conselhos – entidades paraestatais em geral – exerçam poder de polícia e possam lavrar autos de infração, nos termos do parágrafo único do art. 626 da CLT[12].
Essa fiscalização é distinta da realizada pelos auditores fiscais do trabalho, os quais podem fiscalizar também os escritórios dos profissionais liberais e as relações de trabalho por eles mantidas com quem lhes presta serviços, na qualidade de empregados ou autônomos, nos termos do art. 9º do Regulamento da Inspeção do Trabalho. Os atos relacionados a essa fiscalização poderão ser objeto de ações na Justiça do Trabalho.
Portanto, apenas as penalidades aplicadas pelas entidades paraestatais de fiscalização profissional deverão ser objeto de litígio na Justiça Federal comum, já que, nessa atividade específica, não estão os Conselhos Regionais a fiscalizar relações de trabalho dos profissionais liberais com seus empregados, mas sim o cumprimento de disposições regulamentares inerentes ao exercício profissional.
4 Penalidades ou atos administrativos dos órgãos de fiscalização
Identificados os órgãos de fiscalização das relações de trabalho, impende verificar qual a correta interpretação da locução “penalidades administrativas”, aposta na norma constitucional. Esse tema tem estreita relação com as ações cabíveis na nova competência justrabalhista, sendo o último passo necessário para o exame dessas ações.
Estêvão Mallet, comentando sobre a nova competência, afirma que ela veio resolver uma contradição que havia no sistema, anteriormente à Emenda Constitucional n. 45. Exemplifica com a discussão em torno da natureza remuneratória ou não de certa parcela paga ao empregado. Isso porque a empresa poderia ser demandada pelo trabalhador para o pagamento do FGTS incidente sobre a verba, perante a Justiça do Trabalho e, ao mesmo tempo, se autuada por não ter feito recolhimento do FGTS correspondente poderia discutir a legitimidade de sua conduta, defendendo a natureza indenizatória da parcela paga, na Justiça Federal. Ocorre que a Justiça do Trabalho poderia dar ganho de causa ao trabalhador e a Justiça Federal ao empregador, de modo que “o pagamento feito ao empregado seria, a um só tempo, parcela remuneratória e não remuneratória, situação absurda e indesejável”, em afronta ao princípio da não-contradição, por ser impossível afirmar e negar algo ao mesmo tempo, sob o mesmo aspecto[13].
Após observar que foi seguida, no particular, a experiência do direito comparado – citando, como exemplo, os tribunais do trabalho portugueses –, lamenta a deficiência da redação do dispositivo brasileiro. Depois de mencionar a restrição pelo uso da expressão “empregadores”, assevera que a locução “penalidades administrativas” não deve e não pode ser entendida de modo estrito, razão pela qual não se deve fazer uso da interpretação gramatical, mas sim buscar-se “a finalidade da previsão legal”. De modo que a Justiça do Trabalho deve examinar não apenas as penalidades impostas aos empregadores, mas, “genericamente, a legalidade dos atos administrativos praticados pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho”. E exemplifica: a) a ação pode envolver tanto a legitimidade da pena imposta na autuação da empresa pelo não recolhimento do FGTS (arts. 22 e §§ da Lei n. 8.036/1990), quanto “a discussão da própria existência do recolhimento”, se devido ou não; b) se negada autorização para redução de intervalo intrajornada (art. 71, § 3º, da CLT), a competência para o julgamento da questão é da própria Justiça do Trabalho e não mais da Justiça Federal, “ainda que nenhuma penalidade tenha sido aplicada”[14]. Até porque a Justiça do Trabalho tem muito mais aptidão para verificar a presença dos requisitos para a referida autorização, que devem constar de parecer ou laudo dos Agentes de Higiene e Segurança do Trabalho (arts. 2º, inciso III, e 31 do RIT), a saber: a) organização dos refeitórios de modo a propiciar a alimentação adequada em um tempo também adequado, ainda que inferior a uma hora; b) verificação de que os empregados não se encontram em regime de trabalho prorrogado (horas suplementares) ou submetidos a regime de horas extras.
Além destes exemplos, pode ser citada a hipótese de embargo de obra ou interdição de estabelecimento, setor, máquina ou equipamento, nos termos do art. 161 da CLT e do art. 18, inciso XIII, do RIT, como já mencionado. Havendo laudo técnico que ateste a situação de perigo à segurança e saúde dos trabalhadores, e havendo omissão do Superintendente ou Gerente Regional do Trabalho, o MPT, o sindicato ou até mesmo um grupo de trabalhadores (por exemplo, da CIPA) poderão ajuizar ação na Justiça do Trabalho para obter esse embargo ou interdição. De outro lado, não havendo o referido laudo técnico ou não sendo este elaborado segundo as diretrizes próprias, poderá o empregador ou tomador de serviços ajuizar ação para questionar o ato administrativo na Justiça especializada.
Por isso a doutrina sugere que, em lugar de “penalidades”, leia-se “atos” dos órgãos de fiscalização das relações de trabalho, inclusive porque o inciso IV do art. 114 da Constituição Federal atribui à Justiça especializada competência para decidir sobre mandado de segurança relativo à matéria de “sua jurisdição”. Pode ser mencionado, além da hipótese do parágrafo anterior, o cabimento de mandado de segurança para o processamento de recurso administrativo sem o depósito da multa aplicada pela autoridade após a fiscalização, matéria de que trata o § 1º do art. 636 da CLT. E, como se verá na seqüência, o mandamus é uma das espécies de ação que podem ser ajuizadas por força do inciso VII em comento.
Destarte, numa interpretação sistemática dos mencionados dispositivos constitucionais, a conclusão é a de que todos os atos administrativos da atribuição dos órgãos de fiscalização das relações de trabalho – sejam das Superintendências ou Gerências Regionais do Trabalho e Emprego, sejam do Ministro do Trabalho e Emprego ou de dirigentes a ele submetidos, ou, ainda, dos auditores fiscais do trabalho e dos auditores fiscais da Receita Federal do Brasil – podem dar ensejo ao ajuizamento de ações perante a Justiça do Trabalho.
5 Ações de competência da Justiça do Trabalho
Do quanto exposto até esta parte, já se pode ter uma noção de que praticamente todas as ações que envolvem a temática do dispositivo constitucional analisado estão inseridas na competência da Justiça especializada. De modo que, tratando-se de penalidades ou atos administrativos, de incumbência de quaisquer dos órgãos de fiscalização das relações de trabalho, envolvendo interesses da União, dos empregadores ou até mesmo dos tomadores de serviço, pelo menos no que toca ao direito à saúde do trabalhador, a competência será da Justiça do Trabalho.
Por isso João Oreste Dalazen, num dos primeiros artigos escritos sobre o tema, afirmou que “doravante, malgrado figure a União em um dos pólos da relação processual, a lide é da competência material da Justiça do Trabalho”, de modo que o mandamento constitucional do multicitado inciso VII “rompe com tradicional entendimento sufragado pela jurisprudência consistente em atribuir tais causas (relativas às penalidades impostas aos empregadores) à esfera da Justiça Federal”. E por isso afirma que “a competência em tela é para qualquer ação, seja a execução de título extrajudicial proposta pela Fazenda Pública federal, seja qualquer demanda intentada pelo empregador, visando a invalidar a sanção administrativa que lhe haja infligido a fiscalização das Delegacias Regionais do Trabalho”. Sendo assim, essa nova competência abrange, “entre outras, a ação anulatória e também o mandado de segurança impetrado contra ato da autoridade administrativa do Ministério do Trabalho”[15].
E a doutrina é praticamente uníssona quanto ao cabimento destas ações na Justiça do Trabalho, por conta do novel inciso VII do art. 114 da Constituição Federal. Penso que o legislador constituinte, ao trazer para a competência da Justiça do Trabalho as ações relativas às penalidades impostas pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho, pensou, primeiramente, na execução dos valores concernentes a essas penalidades administrativas. Tal execução, por óbvio, é uma execução de título extrajudicial que, em regra, é processada de acordo com o rito e diretrizes estabelecidos pela Lei n. 6.830/1980, a conhecida Lei de Execução Fiscal. Pois bem, de acordo com o art. 38 desta Lei, a discussão judicial da dívida ativa da Fazenda Pública só é admissível em sede de execução, mormente nos embargos do executado (art. 16), “salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos”. Daí se tem, portanto, o cabimento das ações conexas à execução da Certidão da Dívida Ativa: ação anulatória, ação de repetição de indébito e mandado de segurança. Não se pode questionar, pois, sobre a competência da Justiça do Trabalho para o conhecimento destas ações, por força do inciso VII do art. 114, objeto de estudo.
Poder-se-ia questionar sobre o cabimento de ação declaratória de inexistência do débito, não mencionada no referido art. 38. Pois bem, a doutrina enfatiza que não se admite ação declaratória de inexistência do débito fiscal depois de ter sido inscrito em Dívida Ativa, podendo esta ação ser manejada apenas antes da mencionada inscrição[16].
No que diz respeito à ação anulatória, se é por meio dela que o empregador poderá discutir em juízo a validade das penalidades que lhe forem impostas pelos auditores fiscais, não há dúvida objetiva quanto ao seu cabimento. E, por extensão, pode-se afirmar que também a ação de repetição de indébito será da competência da Justiça do Trabalho.
A respeito da exigência do depósito preparatório do valor do débito para o ajuizamento da ação anulatória, o entendimento doutrinário que prevaleceu, antes mesmo da promulgação da Constituição de 1988, foi o de que referida exigência viola uma das garantias constitucionais, qual seja, o direito de ação, “mormente quando o contribuinte for pobre ou não dispuser de recursos suficientes para custear o depósito imposto como condição de procedibilidade”. Até mesmo porque o § 4º do art. 153 da Constituição de 1967 disciplinava que o ingresso em juízo somente poderia ser condicionado ao exaurimento prévio das vias administrativas se não fosse exigida a “garantia de instância” e desde que não fosse ultrapassado o prazo de cento e oitenta dias para a decisão administrativa sobre o pedido. De modo que o depósito somente é exigível para a interposição do recurso administrativo, não para a ação que tenha por finalidade a desconstituição do débito. E, diante do inciso XXXV do art. 5º da atual Constituição Federal, não se pode mais questionar sobre a inexigibilidade do depósito preparatório como condição de procedibilidade[17].
Agora, o ajuizamento da ação anulatória não impede a execução do título extrajudicial, de modo que ambas as ações podem ser simultâneas, até porque não há falar em litispendência no caso, pois que evidente a distinção entre a causa de pedir e o pedido nestas ações, numa de anulação do débito e na outra de satisfação do crédito, sendo que as partes serão as mesmas, mas nos pólos “invertidos” da relação jurídica processual.
Por outro lado, o depósito do valor do débito acarreta a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, impedindo o ajuizamento da execução fiscal ou suspendendo o curso do processo respectivo, caso já ajuizada. Sendo assim, o depósito mencionado é apenas uma faculdade do devedor, em sede judicial, quando pretender obstaculizar o prosseguimento da execução fiscal iniciada ou mesmo inibir a sua propositura.
Ainda a respeito dessa temática, proposta a ação anulatória – ou ainda em curso o contencioso administrativo –, assiste ao devedor “o direito de obter certidão positiva, com efeito de certidão negativa, na forma do art. 216 do CTN, enquanto não encerrado o respectivo processo”. Essa providência pode ser buscada em ação autônoma, como o mandado de segurança, ou ser requerida de maneira incidental, junto ao juízo da causa, “por meio de medida cautelar atípica, em 1º grau ou perante o tribunal, durante a tramitação do recurso”[18].
De se observar que também as tutelas de urgência poderão ser manejadas na Justiça do Trabalho, em virtude da nova competência. Assim que as medidas cautelares, a tutela antecipada e a ordem de segurança poderão ser buscadas, como medidas urgentes, quando houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação ao direito, lesionado ou ameaçado de lesão, por causa do ato administrativo relacionado à fiscalização do trabalho. Como exemplo de medida cautelar, já se fez menção ao depósito preparatório do valor do débito, para suspender a exigibilidade do crédito por parte da Fazenda Pública, depósito que pode ser feito nos próprios autos da ação anulatória ou mediante ação cautelar proposta com essa finalidade, tendo em vista que o depósito cautelar exclui a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151, inciso II, do CTN. E por isso a execução fiscal deve ser extinta e não suspensa, pois se julgado procedente o pedido de anulação, o crédito correspondente é extinto quando do trânsito em julgado da sentença (art. 156, inciso X, do CTN); e se julgado improcedente o referido pedido, o crédito tributário é igualmente extinto, com a conversão do depósito em renda, nos termos do inciso VI do art. 156 do CTN, no momento em que a sentença transita em julgado[19]. Quanto à tutela antecipada, poderá ser requerida no curso da ação proposta, quando presentes os requisitos do art. 461 do CPC, dependendo da obrigação questionada, se de fazer ou de não fazer, por exemplo, para a emissão da certidão positiva disciplinada no art. 206 do CTN, ou para a não-inscrição do débito. Relativamente ao mandado de segurança, como já se afirmou, numa interpretação sistemática dos incisos IV e VII do art. 114, não resta dúvida de seu cabimento para que o empregador ou o tomador de serviços possa questionar a abusividade ou ilegalidade de ato administrativo da fiscalização que viole um seu direito líquido e certo. Ao tema se retornará em breve.
No que toca à execução dos títulos decorrentes das penalidades impostas aos empregadores, conquanto pareça ser cristalina a competência da Justiça do Trabalho para o seu processamento, há um questionamento no sentido de não ter o inciso VII feito menção a “execução”, mas, tão-somente, a “ações”, além do que no inciso VIII o legislador constituinte derivado fez menção expressa a “execução”, de ofício, das contribuições sociais, razão pela qual, se quisesse compreender no inciso VII “a execução”, a ela teria se reportado expressamente.
A primeira objeção é risível, porque, como é cediço, a ação é um gênero que comporta diversas espécies, sendo mais conhecidas as relacionadas à classificação quinária, de Pontes de Miranda, que, quanto ao provimento jurisdicional buscado, classifica as ações em: declaratória, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental. E mesmo na classificação clássica, as ações são divididas em: cognitiva, executiva e cautelar. Sendo assim, indubitável que a expressão “ações” pode compreender a espécie “execução”.
Outrossim, a referência a “execução” no inciso VIII deu-se por duas razões: 1ª) o dispositivo nada mais faz do que repetir a redação que já constava do § 3º do art. 114, antes da Reforma do Judiciário; 2ª) ali houve menção expressa a “execução” porque a Justiça do Trabalho não tem competência para todas as ações relativas às contribuições sociais, mas apenas para a execução, inclusive de ofício, desde que se tratem de contribuições “decorrentes das sentenças que proferir”.
Demais, a execução de título extrajudicial de penalidades impostas aos empregadores e a ação anulatória por parte destes constituem o verso e o reverso da mesma medalha. Vale dizer, do ato administrativo de imposição de penalidade surgem duas ações, conforme o interesse de cada parte: a execução por parte da União e a ação anulatória ou outra correlata por parte do empregador, que podem ser simultâneas.
Discorrendo sobre a matéria, Mallet entende que a nova competência “estende-se à impugnação, por meio de mandado de segurança ou ação anulatória, das autuações decorrentes de multas por infração às normas trabalhistas, bem como à cobrança de parcelas fiscais, previdenciárias e do FGTS”. E afirma que “a própria execução fiscal das multas e dos valores deve ser feita perante a Justiça do Trabalho, admitindo-se discussão da legalidade do lançamento em embargos do executado”[20].
Ora, se as penalidades administrativas, em geral, estão previstas na própria Consolidação das Leis do Trabalho, por descumprimento das normas protetivas inseridas neste diploma legal, a conclusão óbvia é a de que a nova competência foi pensada exatamente para possibilitar a execução dessas penalidades no âmbito da Justiça especializada, que melhor compreende toda a temática trabalhista[21].
Por isso mesmo, a Consolidação tem título específico destinado ao “processo” de multas administrativas (Título VII). Referido título é composto de três capítulos, o primeiro disciplinando a fiscalização, a autuação e a imposição de multas (arts. 626 a 634); o segundo sobre os recursos em sede administrativa (arts. 635 a 638); e o terceiro tratando do depósito, da inscrição e da cobrança judicial (arts. 639 a 642). No que toca à execução, o art. 641 disciplina que se não houver o depósito do valor da multa ou da penalidade, dar-se-á a inscrição da Dívida Ativa, sendo extraída cópia autêntica dessa inscrição e enviada às autoridades competentes para a respectiva cobrança judicial, valendo tal instrumento como título de dívida líquida e certa. E o art. 642 preconiza que tal cobrança judicial será regida pela legislação aplicável à cobrança da Dívida Ativa da União. Daí se tem, portanto, que o procedimento a ser observado, no particular, é o da Lei n. 6.830/1980.
Por fim, pode-se argumentar que o art. 876 da CLT, que dispõe sobre os títulos executivos na Justiça do Trabalho, não contempla a execução de multas administrativas, de modo que a Certidão da Dívida Ativa correspondente não poderá ser executada na Justiça especializada. Isso porque os únicos títulos executivos extrajudiciais previstos no processo de trabalho são o termo de ajuste de conduta firmado perante o MPT e o termo de conciliação firmado perante as comissões de conciliação prévia. No entanto, tal interpretação afronta o princípio da máxima efetividade da norma constitucional insculpida no inciso VII do art. 114 da Constituição Federal[22]. Interpretação contrária somente revela o tremendo equívoco de se buscar o sentido e o alcance das normas constitucionais a partir das regras infraconstitucionais. Para se evitar esse desacerto, o correto, ou melhor, o único caminho a ser trilhado é o de adequar a norma inferior à superior, no caso, a norma constitucional. Daí se tem que existem três títulos executivos extrajudiciais no processo do trabalho, os dois referidos no art. 876 da CLT e o outro inferido da interpretação do inciso VII multicitado.
Ainda a respeito do procedimento para a imposição de multas administrativas, previsto no Título VII da CLT (arts. 626 a 642), de se observar que nele há uma intensa formalidade dos atos a serem praticados pelos auditores fiscais e pelas autoridades às quais estão subordinados. O exame dessa formalidade é muito importante para se verificar o cabimento da ação anulatória e do mandado de segurança.
Além das normas do Regulamento da Inspeção do Trabalho, de se mencionar o critério da dupla visita, previsto no art. 627 da CLT, para os casos ali disciplinados. E também o termo de compromisso que pode ser ajustado na forma disciplinada no tal Regulamento, que tem caráter preventivo (art. 627-A, acrescido pela MP n. 2.164-41/2001). Demais, a lavratura do auto de infração tem de observar os seus requisitos específicos, e ser feita “em duplicata”, para que uma via seja entregue ao empregador – imediatamente ou enviada pelo correio mediante recibo de entrega –, que terá um prazo de dez dias, contados do recebimento do auto, para apresentar sua defesa administrativa (§ 3º do art. 629). E nessa defesa o autuado poderá requerer a oitiva de testemunhas e as diligências necessárias à elucidação do caso, sendo que a decisão pela desnecessidade de tais provas, pela autoridade competente, deverá ser devidamente fundamentada, ainda que o art. 632 não o exija, porque se aplica ao procedimento administrativo os princípios do contraditório e da ampla defesa, nos moldes do inciso LV do art. 5º da Constituição Federal. Por fim, a imposição das multas, na falta de disposição especial, é de incumbência das autoridades regionais competentes, nos termos do art. 634 – atualmente os Superintendentes ou Gerentes Regionais do Trabalho e Emprego, como já referido. Essa identificação da autoridade competente é muito importante, inclusive porque relacionada ao cabimento do mandado de segurança, que logo será examinado.
Da decisão que rejeitar a defesa apresentada e impuser multa ao empregador caberá recurso para a Secretaria de Relações do Trabalho, cujas decisões deverão ser sempre fundamentadas (art. 635, caput e parágrafo único). O prazo recursal é de dez dias, contados do recebimento da notificação da decisão da autoridade competente, perante a qual deve ser interposto o recurso. Ocorre que “o recurso só terá seguimento se o interessado o instruir com a prova do depósito da multa”, nos termos do § 1º do art. 636 da CLT.
Além do mais, deve haver o lançamento ou inscrição da dívida, para que se possa ter o título extrajudicial apto a ensejar a execução, qual seja, a CDA – Certidão da Dívida Ativa –, documento que deve conter todos os requisitos previstos no art. 202 do Código Tributário Nacional, especialmente “a origem e a natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja fundado”, bem como, em sendo o caso, “o número do processo administrativo de que se originar o crédito” (incisos III e V). Daí se tem, portanto, a intensa formalidade que deve ser observada, sob pena de êxito do devedor na ação anulatória ou no mandado de segurança.
6 Depósito da multa para a interposição do recurso administrativo
Como já mencionado, o § 1º do art. 636 da CLT exige o depósito da multa para a interposição ou o processamento do recurso administrativo. Aqui reside intensa celeuma, uns admitindo a possibilidade de exigência desse depósito, pois que se trata de requisito objetivo de admissibilidade do recuso administrativo, e outros argumentando que referida exigência é inconstitucional.
O depósito da multa é previsto expressamente pelo citado § 1º, que foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, como decidido no julgamento do RE n. 210.246-6, pelo Plenário do E. STF, em 12-11-1997. O entendimento do Supremo Tribunal Federal, à época, foi o de que é constitucional a exigência desse depósito, não havendo qualquer ofensa ao disposto no inciso LV do art. 5º da Carta Magna, por não haver, no sistema jurídico brasileiro, a garantia do duplo grau de jurisdição. O Ministro Sepúlveda Pertence enfatizou que poderia até mesmo a lei ter tornado definitiva, na órbita administrativa, a imposição da multa após o exercício da defesa ou a oportunidade para tanto, pois a expressão “e recursos a ela inerentes”, constante do inciso LV do art. 5ª não assegura o recurso a sucessivas instâncias, na seara administrativa. E ponderou: “a levar às ultimas conseqüências a tese de que, ao dar o recurso, tem-se que deixar de condicioná-lo a qualquer forma de garantia da execução, de logo eliminamos toda forma de execução provisória”. Até porque “a eventual dificuldade gerada ao recurso administrativo tem como único efeito precipitar a abertura da via jurisdicional”. Demais, o Ministro Octavio Gallotti também fez questão de enfatizar que “não há direito constitucional ao duplo grau de jurisdição, seja na via administrativa, seja na via judicial e, por esse motivo, a lei, ao criar um recurso que poderia não instituir, pode submetê-lo à exigência de depósito, ficando a ampla defesa assegurada quanto à decisão de primeira instância”[23].
Outrossim, como se decidiu no RE n. 357.311, cujo Relator foi o Ministro Moreira Alves,julgado pela Primeira Turma do STF em 19-11-2002, sendo esse depósito requisito de admissibilidade de recurso administrativo e não pagamento de taxa para o exercício do direito de petição, não há falar em violação do art. 5º, XXXIV, “a”, da Constituição Federal[24].
Ocorre que mais recentemente o Supremo Tribunal Federal, julgando as ADIs n. 1976-7 e 1074-3, em 28-3-2007, reconheceu a inconstitucionalidade de dispositivos legais tributários que exigem depósito de trinta por cento do débito em discussão ou arrolamento prévio de bens e direitos como condição para a interposição de recurso administrativo. A decisão do Pleno do E. STF foi no sentido de que essa exigência “constitui obstáculo sério (e intransponível, para consideráveis parcelas da população) ao exercício do direito de petição (CF, art. 5º, XXXIV), além de caracterizar ofensa ao princípio do contraditório (CF, art. 5º, LV)”. E afirmou-se que essa exigência “pode converter-se, na prática, em determinadas situações, em supressão do direito de recorrer, constituindo-se, assim, em nítida violação ao princípio da proporcionalidade”. Por isso, a ação direta (ADI n. 1976-7) foi julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 32 da MP n. 1.699-41/1998 – posteriormente convertida na Lei n. 10.522/2002 –, que deu nova redação ao art. 33, § 2º, do Decreto n. 70.235/1972. E na ADI n. 1074-3 foi declarado inconstitucional o art. 19 da Lei n. 8.870/1994[25].
Explica Marcos Neves Fava que a primeira ADI (1976-7) é relativa à matéria tributária em geral, enquanto a segunda (1074-3) refere-se às cobranças das contribuições sociais exigidas pelo INSS. E propõe-se a analisar, em seu artigo doutrinário, a aplicação das conclusões dos julgados do Supremo, nessas ADIs, à exigência do depósito prévio da multa administrativa prevista no § 1º do art. 636 da CLT. Procura demonstrar que essas multas não constituem crédito tributário em sentido estrito, ainda que “a competência” para executá-las seja da Advocacia da União (antes era a Procuradoria da Fazenda Nacional) – da Procuradoria Geral Federal – e se lhes aplique os índices de atualização baseados na taxa SELIC. É que a competência para a cobrança de créditos tributários é da Justiça Federal comum, ao passo que a execução das multas administrativas aplicadas pelos órgãos de fiscalização aos empregadores passou à competência da Justiça do Trabalho. Demais, tributo não pode constituir sanção de ato ilícito (art. 3º do CTN), sendo que as multas no caso em análise tratam-se de sanções pelo descumprimento de normas de proteção ao trabalho. Outrossim, o procedimento administrativo de cobrança das multas no âmbito das relações de trabalho é regulado pela Lei n. 9.784/1999 e não pelas Leis n. 10.502/2002 ou 8.870/1994, nem pelo Decreto n. 70.235/1978, diplomas analisados pelo STF nas referidas ADIs. Por fim, a previsão de exigência de depósito do valor integral da multa encontra-se na CLT (art. 636, § 1º), exigência esta que foi considerada constitucional pelo próprio STF. E conclui Marcos Fava que, “não havendo identidade de natureza entre o crédito tributário e a cobrança de multas trabalhistas, não há falar em quebra da isonomia, com a exigência do depósito prévio na cobrança das últimas, sem sua incidência na cobrança de créditos tributários”[26].
Antes mesmo de Marcos Fava, a Desembargadora do TRT da 15ª Região, Dra. Tereza Aparecida Asta Gemignani, em brilhante artigo sobre a matéria, já havia se insurgido contra a aplicação dos efeitos da decisão tomada nas ADIs n. 1976-7 e 1074-3 à matéria das multas administrativas, porque a declaração de inconstitucionalidade deve ser expressa e não pode ser interpretada por analogia. Após explicar que a referida multa não tem natureza jurídica tributária, pois que a lavratura do auto de infração decorre da constatação de uma atividade ilícita, por violação de preceito legal (art. 628 da CLT), enfatiza que a exigência do depósito da multa para a admissibilidade do recurso administrativo é plenamente constitucional. Até porque na seara trabalhista, na própria esfera judicial, há exigência de efetivação de depósito recursal como pressuposto de admissibilidade de recurso ordinário, estando sedimentada a jurisprudência de que não há falar, nesse caso, em violação do direito de defesa, pois que “em nenhum momento a Constituição estabeleceu o acesso irrestrito à instância recursal, nem o duplo grau”. Lembra que o depósito recursal previsto no § 1º do art. 899 da CLT é considerado como garantia do juízo (IN 3/1993 do TST; OJ 140 da SDI-I do TST), além do que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ADIs n. 884-6 e 836-6, decidiu pela constituciona