José Eduardo de Resende Chaves Júnior[2]
Resumo
O texto defende a necessidade de resgatar o conceito de ‘alienidade’, próprio da doutrina espanhola, como núcleo tuitivo do Direito do Trabalho. Identifica, também, duas inflexões no Direito do Trabalho contemporâneo: a ‘desmaterialização’ e a ‘transcendentalização’. A primeira diz respeitoà tendência da economia contemporânea de considerar mais estratégico os bens imateriais. A segunda acentua o movimento de ‘deslaboralização’, que confere centralidade à dignidade e não ao trabalho humano, o que acaba por embaçar a economicidade das relações sociais e implica em reconhecer a não-suficiência da fundamentalidade dos direitos decorrentes do trabalho.
Sumário
1. Introdução
2. Parassubordinação
3. Alienidade
4. Expansão Tuitiva do Direito do Trabalho
5. Referências
1. Introdução
O prefixo ‘par(a)’ carrega em si uma ambiguidade semântica que se transmite para vários significados dos vocábulos que costuma anteceder, pois pode imprimir, aos termos por ele compostos, pelo menos cinco noções distintas: (i)proximidade, (ii)oposição, (iii)transcendência, (iv)defeito e até (v)semelhança[3].
Essa ambigüidade se percebe com clareza num termo que já vem sendo utilizado com insistência pela doutrina trabalhista nacional e internacional, qual seja, o termo ‘parassubordinação’. A «parassubordinação», nessa ordem de idéias, pode ser conceituada teoricamente, então, de cinco formas distintas: como algo (i) próximo (mas distinto) ou (v) semelhante à subordinação; como um instituto que se (i) contrapõe a ela ou que a (iii) ultrapassa. Por fim a «parassubordinação» pode ser conceituada também como um (v) defeito da subordinação clássica.
A ambigüidade não é privilégio do vocábulo «parassubordinação», senão uma marca dos novos conceitos que o Direito do Trabalho vem produzindo na contemporaneidade em várias instâncias transnacionais, tais como o de ‘trabalho decente’, gestado no seio da OIT ou o de ‘flexisseguridade’[4], formatado no âmbito da União Européia.
A idéia de ‘trabalho decente’ a despeito de escudar-se na abstrata dignidade humana, não deixa de parecer um eufemismo construído para legitimar a multirregulação do trabalho subordinado, a partir da dissociação, que o conceito viabiliza, entre ‘vínculo de emprego’ e ‘vínculo de trabalho decente’, isto é, essa noção acaba por legitimar tacitamente a contratação do trabalho subordinado por instrumentos distintos do emprego. Essa multirregulação tem como conseqüência, por um lado, o deslocamento da concorrência da esfera do capital para a do trabalho e, por outro lado, a neutralização do princípio que veda o retrocesso dos direitos sociais, o que acaba por paralisar a pauta de reivindicação coletiva, estabilizando-a na pura manutenção de standards mínimos.
A ‘flexisseguridade’, por seu turno, grassa, também, na ambiguidade de perseguir a conjugação da precarização das condições contratuais e privadas de trabalho, com a expansão da responsabilidade previdenciária do Estado, estratégia que mal esconde a fórmula de privatização de lucros e estatização (rectius: socialização) de prejuízos.
Essa profusão de conceitos ambíguos impõe à doutrina a necessidade de identificar com maior rigor o núcleo de tuição da energia humana despregada no trabalho, a fim de se evitar a instrumentalização da modernização das relações de trabalho a benefício da corrosão das garantias sociais e republicanas de proteção do Estado ao trabalho.
O presente estudo tentará buscar no resgate do conceito de ‘alienidade’, elaborado pela doutrina espanhola, o contraponto mais eficaz para acompanhar o movimento de expansão do Direito do Trabalho.
2. Parassubordinação
Em estudo encomendado pelo Comitê de Emprego e Assuntos Sociais da Comissão Européia, o Professor italiano Adalberto Perulli procedeu, em trabalho publicado no ano de 2003, a um levantamento das novas figuras de contratos de trabalho então surgidas na Europa[5]. No trabalho, o Professor Perulli constata que na época, na Europa, a despeito de prevalecer o binômio clássico entre trabalhador subordinado e trabalhador por conta própria, em alguns países essa dicotomia começava a ser rompida com o surgimento de um tertius genus: o trabalhador economicamente dependente.
No referido levantamento, três países já possuíam dogmatizadas em seus respectivos ordenamentos tal figura: Itália (parasubordinato), Alemanha (arbeitnehmeränliche Person) e Grã-Bretanha (economically dependent worker ou quasi-subordinate worker). Em outros países, tais como Áustria, Dinamarca, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Noruega, Holanda e Portugal, identificou o Professor Perulli um debate sobre tais figuras.
Detectou, ainda, o referido estudo que na Bélgica, Luxemburgo, Espanha e Suécia, além de não haver uma definição legal de economicamente dependente, não havia nem mesmo debate sobre o tema.
Entretanto, o debate europeu sobre a desregulação das relações de trabalho foi tomando corpo e até a Espanha que não cogitava dessa figura, em 2007, criou a figura do trabalhador autónomo-dependiente [6], cuja denominação é uma verdadeira contradição em termos.
A chamada ‘crise grega’, que se deu a partir de março de 2010, reavivou a ‘teologia da desregulação’[7], que havia se arrefecido na Europa e no mundo, a partir da primeira etapa da crise mundial, desencadeada em setembro de 2008 – crise das hipotecas subprime. A partir da ‘crise grega’ há uma inversão nos papéis internacionais dos países centrais, inversão essa que coloca os Estados Unidos como defensor da intervenção e regulação, ao passo que a Europa passa pregar redução do gasto público, redução do plantel de trabalhadores públicos, reforma previdenciária e revisão dos modelos de proteção do trabalho.
Não obstante a perspectiva de forte crescimento que se concretiza neste momento no Brasil, a crise européia tem servido de dique para conter a expansão das garantias e conquistas trabalhistas que agora seria razoável se exigir depois do longo período de redução de direitos e salários.
No plano específico da desregulação da tutela estatal do trabalho no Brasil, a primeira modalidade contratual, em que se perceberam fortes traços de semelhança com este contemporâneo contrato parassubordinado, foi a figura do ‘vendedor autônomo’, Lei n. 4.886/65, que até hoje se confronta com a sistematicidade da CLT em matéria de trabalho humano alienado, norma que, aliás,coincidiu também com o fim da estabilidade no emprego, em 1966, que instituiu o FGTS – o que demonstra bem o espírito da época.
Posto que no Brasil o debate sobre a parassubordinação não tenha se instalado, muito provavelmente por que se viu substituído pela discussão que envolve a terceirização e o falso cooperativismo, o legislador brasileiro não deixou de nos brindar com um cavalo de tróia e instalou entre nós, de forma incipiente, um primeiro instituto parassubordinado, criando a figura do trabalhador autônomo de carga agregado, denominado ‘TAC-agregado’, um verdadeiro tertius entre o trabalhador de carga autônomo e o subordinado – Lei 11.442, de 5 de janeiro de 2007. É curioso observar que tal se deu de uma forma quase sub-reptícia, e na mesma época em que na Espanha foi editado o paradoxal instituto do referente ao trabalhador autônomo-dependente.
Na parassubordinação o que se nota é que predomina, ainda, a idéia de uma essência estruturada da empresa, com forte traço de preordenação, previsibilidade e permanência das atividades produtivas, ou com uma flexibilidade apenas relativa do empreendimento.
Mas a tendência atual da organização produtiva, principalmente nos países centrais, é outra. Nessa nova tendência, entra em jogo a noção de emergência, ou de um comportamento emergente, que tem como propriedades a ductilidade, a imprevisibilidade, a complexidade e a inovação incessante. Mas a administração da emergência produtiva valoriza a criatividade e a autonomia como mera estratégia para se aumentar o excedente do trabalho humano a ser apropriado.
Nesse sentido, podemos perceber que a ambigüidade invade também o conceito de ‘autonomia’, que deixa de ser uma ‘finalidade’, senão, muito ao contrário, se constitui como mero ‘meio’, um instrumento para potencializar, paradoxalmente, a exploração e a subordinação coletiva do trabalho humano. Em outras palavras, nessa acepção a ‘autonomia’ é instrumentalizada, é meramente funcional e individualista. Não há nessa autonomia ambígua uma emancipação teleológica, senão apenas acumulação flexível do capital.
Na nova organização em rede não há distinção entre atividade-fim e atividade-meio, não há um centro de controle, nem premeditação. Toda atividade é meio, instrumental, circunstancial, difusa e instantânea: just in time e on line. A rede não tem começo nem fim, é um puro medium, uma extensão, que se conecta incessantemente a todas as contigüidades empresariais possíveis – netwares y wetware[8]. A rede produtiva deslaboraliza o trabalho (Baylos[9]), aliena o sujeito trabalhador não só do objeto-produto de seu trabalho, mas também da proteção estatal.
Nessa linha de pensamento, o conceito de subordinação tende a se deslocar do ordenamento jurídico, para se situar também no campo econômico e social, nesse aspecto, perde muito de sua relevância técnica na esfera dos direitos.
3. Alienidade
Além da tendência à perda de importância técnico-jurídica da subordinação no campo do Direito do Trabalho contemporâneo, ela se constitui – como já tivemos oportunidade de observar em outra oportunidade, juntamente com Barberino[10] – muito mais como ‘efeito’ que como ‘condição’, isto é, a subordinação é muito mais conseqüência do que causa do vínculo empregatício[11].
Como contrapartida a essa perda potencial da capacidade de a subordinação protagonizar o Direito do Trabalho, nos parece importante restaurar a clássica doutrina espanhola, sintetizada principalmente em Alonso Olea, que sempre focou principalmente, não a idéia de subordinação, senão o conceito de ‘ajenidad’: “(…) la relación de ajenidad, como definidora y esencia misma del contrato de trabajo, éste es un modo originário de adquirir propiedad por un ajeno distinto de quien trabaja”[12].
No Brasil, tal concepção nunca logrou muito êxito, quem sabe porque o vocábulo espanhol ‘ajenidad’ tenha sido sistematicamente traduzido por ‘alteridade’, que está mais ligada ao idealismo hegeliano, do que ao materialismo de corte marxiano e que tem muito mais conexões com o Direito do Trabalho.
Como observa Olea, “el término ‘ajenidad’, que es el generalizado entre nuestros especialistas; por éstos se ha acuñado este término en derecho del trabajo, rehuyendo el clásico jurídico de enajenación, y con buenas razones, porque enajenación implica en derecho una translación de dominio o titularidad de una persona a otra, y por consiguiente una adquisición derivativa por parte de esta última, mientras que en el contrato de trabajo hay una adquisición originaria de propiedad por el empleador o empresario respecto de bienes de nueva creación, que no han sido antes propiedad de nadie; es claro, pues que ajenidad – o alienidad, como la llama Guasp (Derecho, Madrid, 1971, p. 548) – sigue siendo usada aún como noción distinta de enajenación, en sentido jurídico estricto y propio.”[13]
Nessa linha, sustentamos, no precitado trabalho em conjunto com Barberino Mendes, que neste momento, para um novo impulso ao desenvolvimento científico do Direito do Trabalho, seja importante resgatar um termo já utilizado por Pontes de Miranda[14], qual seja, o conceito de ‘alienidade’[15], não obstante tal vocábulo não tenha ainda sido dicionarizado.
No momento em que a subordinação se desloca do campo jurídico para o campo fático da economia e sociologia, é importante centrar de uma maneira mais precisa na causa do que no efeito da proteção jurídica ao trabalho humano alienado. O enfoque na ‘alienidade’ e não na ‘subordinação’ permite justificar não só a ‘necessidade’ da proteção, mas, sobretudo, a ‘legitimidade’ de se conceder a tutela estatal ao fator humano – trabalho – em detrimento do fator meramente estrutural – capital, uma vez que é a energia humana ‘trabalho’ – e não a relação estrutural ‘capital’ – que constitui a riqueza econômica.
É importante lembrar que não obstante seja a alienidade um traço do trabalho produtivo apenas – já que só se pode falar em trabalho produtivo se há produção de excedente para ser alheado (ou apropriado por outrem) – nada impede que a lei estenda ao trabalho improdutivo (ou de consumo) os efeitos jurídicos da relação de emprego, ou seja, equipare legalmente os trabalhadores produtivos e improdutivos, como, aliás, se verifica no precitado parágrafo primeiro do artigo 2º da CLT em relação aos empregadores.
Como era de se esperar, o debate sobre a ‘alienidade’ na doutrina espanhola está bem mais adiantado do que na doutrina brasileira. Na Espanha, já se vislumbram pelo menos três posições sobre a ‘alienidade’. A primeira e mais tradicional, é a de Olea, em que a alienidade é encarada a partir da alienação dos frutos do trabalho (ajenidad en los frutos). Uma segunda, na qual a alienidade é aferida em função da não-assunção dos riscos da atividade econômica, defendida por Bayón Chacón e Perez Botija[16] (ajenidad en los riscos) e uma terceira, da alienidade em razão da desvinculação da pessoa do trabalhador da utilidade patrimonial do trabalho (ajenidad en la utilidad patrimonial), apresentada por Montoya Melgar[17].
No Brasil, a Emenda Constitucional n. 45 abriu uma grande possibilidade de debate a respeito, com a instituição do conceito ‘relação de trabalho’, constante da artigo 114, I e IX, conceito que poderia ensejar essa nova reflexão sobre os pressupostos da proteção estatal ao trabalho humano, mas que por enquanto somente justificou uma discussão corporativa e redutora sobre a expansão dos limites da competência meramente quantitativa[18] da Justiça do Trabalho. Ao invés de nos limitarmos a tal discussão técnica sobre a extensão da competência trabalhista, o ideal seria debruçarmos sobre o debate da expansão da proteção ao trabalho.
4. Expansão Protetora do Direito do Trabalho
O movimento de expansão tuitiva do Direito do Trabalho passa por duas perspectivas. A primeira conectada ao aspecto da proteção judiciária e a segunda que diz respeito à própria expansão da tutela estatal sobre os fenômenos que vem se percebendo atualmente na orla laboral.
Sobre a primeira perspectiva, já tivemos oportunidade de nos pronunciar, enfatizando a necessidade de concebermos a competência material da Justiça do Trabalho a partir de um ponto de vista qualitativo, concebendo a Justiça do Trabalho como vis attractiva protectionis[19]. Nesse sentido, o essencial é desfragmentar a tutela processual do fenômeno jurídico trabalho, a fim de concentrar e potencializar a proteção judiciária não só sob aspecto contratual trabalhista, mas também em relação às inflexões previdenciárias, tributárias, administrativas e penais decorrentes da relação trabalho.
No que respeita ao segundo aspecto da própria expansão da proteção material das relações de trabalho, é importante enfocar o tema a partir de uma abordagem que leve em consideração duas tendências contemporâneas que se refletem sobre a esfera material do Direito do Trabalho: desmaterialização e transcendencialização.
Por desmaterialização podemos significar a tendência da economia contemporânea de considerar mais estratégico os bens imateriais, tais como softwares, marcas e grifes, conhecimento, afetos, emoções e todos os tipos de produções que somente indiretamente se concretizam em bens materiais. Um exemplo disso num bem material clássico da fase da grande indústria é o próprio automóvel, que é precificado não em função de sua utilidade – transporte – tampouco em razão da quantidade de trabalho material nele despendido, senão em função do status sócio-econômico que suscita, valor que exsurge do trabalho imaterial. A desmaterialização da mercadoria tem como pressuposto a própria valorização do trabalho imaterial ou biopolítico[20].
A expansão da proteção do Direito do Trabalho, para fins de uma efetividade contemporânea, precisa contemplar esse aspecto da chamada economia imaterial, que privilegia a captação da inovação e da criatividade do trabalhador e não o controle disciplinar sobre as tarefas produtivas. Em termos de disciplina não interessa tanto a rigidez do cumprimento da jornada, medida em horas de trabalho, mas sobretudo o índice potencial e flexível de conectividade entre o trabalho e a produção imateriais.
Nesse contexto, não deve interessar ao novel Direito do Trabalho imaterial, tanto a regulação da jornada física e das condições de trabalho imaterial, senão a proteção sobre os mecanismos de captação e expropriação da criatividade e inovação do trabalhador, enfim, focar mais a tutela na ‘alienidade’, do que na subordinação do trabalho.
A preocupação sobre a subordinação deve se limitar às hipóteses de trabalho material – que, entretanto, não custa sublinhar, são prevalentes do ponto de vista quantitativo nos países periféricos, que demandam, ainda, grande quantidade de trabalho material. Ou seja, é preciso expandir a rede do Direito do Trabalho para abarcar também a alienidade da desmaterialização, não se podendo mais conter tal ramo do Direito nos limites da subordinação do trabalho material.
Transcendencialização é um viés da doutrina que busca – com a finalidade de resistência contra a flexibilização – imprimir certo caráter pós-positivista – e às vezes até pararreligioso – à dignidade humana e com isso emprestar ao trabalho a aura metafísica ou transcendente que a dignidade logrou no imaginário dos juristas.
Em certo sentido, esse movimento tem efeito colateral perverso, qual seja, acaba por transferir a centralidade do trabalho para a dignidade, dignidade essa que é mais própria da primeira dimensão dos direitos humanos, ou seja, a geração dos direitos civis clássicos, o que acaba por embaçar a economicidade das relações sociais. Enfatizar os direitos civis significa, em última instância, reconhecer a não-suficiência da fundamentalidade dos direitos sociais. Essa ênfase conduz, em certa medida, mais à instrumentalização ideológica dos direitos humanos – à luz da matriz ideológica liberal – do que ao esclarecimento da legitimidade – mais do que a necessidade – da tutela estatal do trabalho humano.
O trabalho visto do ponto de vista da virtualidade da imanência – e não sob o prisma abstrato da transcendência, da axiologia hierárquica – legitima muito mais a proteção estatal ao trabalhador, que passa a ser encarado como produtor do mundo e das riquezas econômicas e não como mero beneficiário da tutela estatal, benefício que decorreria da transcendência abstrata da dignidade humana. Em outras palavras, essa visão coloca a tutela estatal como favor do Estado e não como imanência da cidadania do trabalhador que produz as riquezas da nação. Mais do que mero contribuinte, o trabalhador é o gerador dos fatos geradores do tributo. No sentido transcendente, o valor-trabalho perde sua concepção concreta e econômica, para se transmutar em mero valor axiológico.
Nessa ordem de idéias, nos parece importante, a fim expandir a proteção ao trabalho, a ênfase na sua imanência, ou seja, é importante sublinhar não o trabalho como valor superior ou transcendente, senão como energia concreta e humana, que realiza a construção econômica do mundo em que vivemos. O trabalho imanente é o movimento que atualiza e potencializa – ato e potência – a capacidade do homem de construir seu mundo e a si próprio.
A chamada deslaboralização do Direito do Trabalho passa necessariamente por esse movimento, até bem intencionado, de converter os direitos sociais em valores superiores e transcendentes. Essa tendência, de forma sutil, acaba criando as condições ideológicas e jurídicas, para o esvaziamento da função estatal de tutela do trabalho, na exata medida em que transfere o foco do Direito do Trabalho das condições econômicas da assimétrica relação de produção, para a defesa abstrata da dignidade humana.
Estar atento à desmaterialização da noção de valor econômico no capitalismo contemporâneo e, por outro lado, à fuga transcendente da proteção do trabalho humano, são duas abordagens que, em geral, não têm encontrado muita ressonância na doutrina trabalhista, que tem adotado uma tendência a insistir justamente na posição contrária, ou seja, limitar o Direito do Trabalho ao labor material e fugir da economicidade imanente das relações de produção.
A expansão tuitiva do Direito do trabalho, segundo pensamos, pressupõe, por tanto, por um lado, a sua extensão às relações de produção de bens imateriais e, por outro, sua contenção (rectius: imanência) ao plano material e concreto das relações econômicas de produção.
Por fim, cumpre registrar que a expansão do Direito do Trabalho deve caminhar num sentido de valorizar a sua expansão qualitativa, com o aumento da intensidade da tutela sobre os efeitos da «alienidade» do trabalho. O conceito de «parassubordinação», ao contrário, insere-se na esfera da expansão meramente quantitativa, que dissemina novas formas de regulação, com a conseqüente fragmentação do trabalho humano.
5. Referências
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CHAVES JÚNIOR, J. E. R. A Justiça do Trabalho enquanto Vis Attractiva protectionis: o trabalho «biopolítico» na perspectiva de uma especialização democrática dos ramos judiciários In Congreso de Magistrados del Orden Social: el futuro de la jurisdicción social, Consejo General del Poder Judicial, Centro de Documentación Judicial, Madrid, 2007 – pp. 929-944
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PONTES DE MIRANDA Tratado de Direito Privado – v.47, 2a. Ed – Rio de Janeiro: Borsoi, 1964
OLEA, M. Alonso Alineación – historia de una palabra – 2 ed – México D. F.: Universidad Autónoma de México, 1988
OLEA, M. Alonso; CASAS BAAMONDE, Maria Emilia Derecho del trabajo Madrid: Universidad de Madrid, 1995
[1]Publicado originalmente em RENAULT, Luiz Otávio Linhares et al. Parassubordinação: em homenagem ao Professor Márcio Túlio Viana – São Paulo: LTr, 2011 – pp. 87/95
[2]Desembargador do TRT-MG, Doutor em Direitos Fundamentais pelaUnviversidad Carlos III de Madrid, Presidente do Conselho Deliberativo da Escola Judicial da América Latina – EJAL e Vice-Presidente de Relações Institucionais da Rede Latino-americana de Juízes – www.REDLAJ.net, Membro do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho – IPEATRA. Professor dos cursos de pós-graduação lato sensu da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-Minas.
[3]“ ‘par(a)’ – Prefixo. Culto, do adv.prep. gr. pará ‘junto; ao lado de; por (com agente da passiva); em, em casa de; durante; para; ao longo de; exceto, salvo; para além de’; ocorre quer em grande número de voc. orign. gregos, quer formados subsequentemente, segundo o padrão clássico; sua composição em vern. reveste as noções de: 1) ‘proximidade’: parágrafo, paraninfo, paratireoide, parenteral, parêntese, parótico, parótida; 2) ‘oposição’: paranomia, paradoxo; 3) ‘para além de’: parapsicologia, parapsíquico; 4) ‘defeito’: parafasia, paralexia, paramimia, paramnésia, paraplegia; 5) ‘semelhança’: parastaminia, parastêmone, parastilo”. Cfr. HOUAISS, 2009
[4]A tradução oficial em língua portuguesa do neologismo inglês ‘flexicurity’ é ‘flexigurança’. Optamos por aportuguesar a versão espanhola – ‘flexsecuridad’ – que nos parece mais eufônica.
[5]PERULLI, 2003 Acesso disponível em: http://www.europarl.europa.eu/hearings/20030619/empl/study_en.pdf
[6]Cfr. Estatuto del Trabajo Autónomo – Lei n. 20 de 11 de julho de 2207, artigo 11 (publicada no BOE de 12 de julho de 2007, n. 166)
[7]Joan Coscubiela em paper publicado no site do projeto multilíngüe do Comitê Científico do Centro Internazionale di Studi Sociali – CISS de Roma. Acesso: http://www.insightweb.it/web/node/252
[8]Wetware e netware são termos correlatos. 0 primeiro diz respeito à capacidade individual de operar os sistemas de hardware y software, capacidade essa que é desenvolvida a partir do ponto de vista do usuário ou consumidor, de forma interativa. A ênfase é no labor e na inovação a partir do consumo. Netware é a perspectiva coletiva dessa mesma interação com o consumo. Cfr. COCCO, 2003, pp. 9-10.
O economista Moulier Boutang concebe o wetware como a atividade viva e individual de atenção humana, que mobiliza as linguagens de máquina através de sua própria linguagem; netware como a dimensão coletiva da atenção e lealdade humanas para instituições e empresas. O autor embora reconheça que tal perspectiva já estava presente na produção fordista, sublinha que na produção contemporânea esse aspecto se transforma de um problema de coordenação da atenção e lealdade, para um problema de comunicação, isto é, de um uso novo da linguagem e da rede. Cfr. MOULIER-BOUTANG, 2004, pp.54-55. [9]“La “deslaboralización” de la prestación de trabajo se define precisamente por su aspecto negativo, es decir, por la posibilidad de que las empresas obtengan prestaciones de trabajo para su empleo en el proceso de producción de bienes o servicios que estén organizando sin que la misma sea calificada jurídicamente como sometida al derecho laboral. La “deslaboralización” implica en consecuencia la exclusión de la prestación de trabajo de que se trate del ámbito de aplicación del ordenamiento jurídico laboral – y de la seguridad social – sobre el trabajador asalariado o dependiente. Sobre la base de necesidades organizativas más flexibles de la estructura empresarial, ésta entiende que resulta mas eficaz la aportación de trabajo mediante “colaboradores externos” no laborales, a los que el empresario paga sus servicios y controla sus resultados, pero sin que por tanto incorpore a su plantilla laboral a quienes le suministran la prestación de trabajo ni tenga que afiliar, dar de alta y cotizar por los mismos al sistema público de Seguridad Social.” Cfr. in http://baylos.blogspot.com/2007/04/sobre-la-prestacion-del-trabajo-y-su.html último acesso em 15 jul 2010
[10]Cfr. CHAVES JR. & BARBERINO MENDES, 2007, pp. 201-202 com acesso também em http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_76/Marcus_Jose.pdf
[11]Reginaldo Melhado concebe, com razão, a subordinação “não como elemento essencial da relação de emprego e sim como conseqüência dela”. Cfr. MELHADO, 2003, p. 164
[12] Cfr. OLEA y CASAS, 1995, p. 54
[13] Cfr. OLEA, 1988, pp.171-172, nota 730
[14] Anotando que o Direito do Trabalho opera com um conceito menos extenso de trabalho, observa que se “ exigimos ao conceito o elemento fático do interesse de outrem, já a alienidade do proveito, ou do que se espera seja proveito, põe fora do campo conceitual o que A faz para si mesmo.” Cfr. PONTES DE MIRANDA, 1964, p.79, parag. 5.053.
[15]Para um pleno desenvolvimento do conceito de ‘alienidade’ cfr. nosso já mencionado trabalho publicado na Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, CHAVES JR. & BARBERINO MENDES, 2007, pp. 201-207 com acesso também em http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_76/Marcus_Jose.pdf
[16]Cfr. Manual de Derecho del Trabajo, 12 ed, 1, p. 15 apud MONTOYA MELGAR, 1999, p. 35, nota 16
[17]Cfr. MONTOYA MELGAR, 1999, p. 36
[18]Sobre a discussão a respeito da competência ‘quantitativa’ e ‘qualitativa’ da Justiça do Trabalho nosso trabalho: CHAVES JÚNIOR, 2007, pp.934-938
[19]CHAVES JÚNIOR, 2007, pp. 938-942
[20]Sobre a questão que envolve a perda de centralidade do trabalho material, cfr nosso trabalho de doutoramento, especialmente o capítulo sobre o chamado trabalho ‘biopolítico’ – pp.. 237-296. Disponível em http://hdl.handle.net/10016/3075 – último acesso em 18 jul 2010