14 de fevereiro de 2023

A CONVENÇÃO 158 DA OIT E A ADI 1625

Elaine Nassif

 

Introdução

A Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) trata das regras, requisitos e condições para a rescisão do contrato de trabalho por parte do empregador. A Convenção permite o desligamento do empregado sem justa causa se houver justo motivo comprovado, relacionado: a) à capacidade ou comportamento do empregado; b) às necessidades de funcionamento da empresa em virtude de dificuldades econômicas, tecnológicas ou estruturais[2] (vide artigo por artigo comentado adiante).

Aprovada na 68ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra — 1982) da OIT, entrou em vigor no plano internacional em 23 de novembro de 1985. Foi submetida ao Congresso Nacional que a aprovou pelo Decreto Legislativo n. 68, de 16.09.1992. O Governo Brasileiro depositou a Carta de Ratificação da Convenção em 5 de janeiro de 1995, entrou em vigor no Brasil em 05 de janeiro de 1996. Sem atender aos trâmites da Convenção 144 da OIT, ou seja, consulta tripartite, e sem atender ao princípio da coparticipação, ou seja, à participação do legislativo na deliberação sobre a denunciação da Convenção internacional, o executivo a denunciou por ato unilateral, a saber, o Decreto n. 2.100, de 20.12.1996.

Em 19 de julho de 1997, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG, propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 1625 contra o Decreto 2.100/96, argumentando que o ato de denúncia não poderia ter sido exclusivo do Executivo, pois dependeria de aprovação também do congresso nacional. Por conseguinte, pediu a declaração da validade da Convenção no território nacional e a eventual modulação de seus efeitos.

O principal ponto de preocupação apresentada em notícias veiculadas nos jornais, haveria uma perda de “segurança jurídica” para o empregador na hora da dispensa sem justa causa. Antes de mais nada é preciso esclarecer que a segurança jurídica, por definição, só existe se aplicável a todos os interessados envolvidos. Uma relação opressiva garante segurança jurídica ao opressor. Nem por isso ela é desejável. Ao contrário, deve ser repelida. O justo reside no caminho do meio

A finalidade de todo e qualquer contrato, seja ele de índole comercial, civil, financeiro ou trabalhista, é garantir estabilidade às relações por ele regidas. É conferir segurança jurídica às partes contratantes. A estabilidade se reveste de interesse público. E ela que permite o desenvolvimento socioeconômico de um país, a partir do planejamento estabelecido nos contratos que regem suas relações jurídicas.

O progresso individual e profissional é resultado de uma persistência metódica na conclusão de projetos planejados e executados ao longo de um determinado tempo. A instabilidade das relações interdita este processo de desenvolvimento, afetando todos os atores nele envolvidos e não apenas os contratantes.

Nas relações de trabalho esta dinâmica não é diferente. Um empregado demitido sumariamente terá que desfazer-se do plano de saúde, da escola privada, do aluguel mais custoso, se endividará, e deixará de realizar os planos familiares a que se havia proposto. A segurança nas relações contratuais afeta a um universo indistinto de pessoas e empresas, e por isso mesmo, transcende o interesse das singulares partes diretamente envolvidas.

A Convenção 158, ao contrário do quanto se propaga, traz segurança jurídica à toda a sociedade, ao conferir durabilidade ao instituto do contrato de trabalho. Além do mais, um aspecto não menos relevante, é que ela representa importante barreira contra o cometimento de injustiças, abusos, arbítrios e assédios.

A Convenção foi ratificada por 36 países (vide lista ao final do artigo), infelizmente, somente a Venezuela a ratificou no continente mais desigual e violento do planeta, a América Latina. No Brasil, como vimos, a validade da denúncia à ratificação está sob julgamento na ADI 1625.

Insegurança jurídica dos contratos de trabalho no Brasil

Quem tem poder de decidir sobre o fim de uma relação tem poder sobre a relação. E mais, tem poder sobre os direitos que regem esta relação. O poder é absoluto. A insegurança de poder ser dispensado sem nenhum motivo a qualquer momento, paira perenemente sobre a cabeça do empregado.

A relação de emprego é uma relação de insegurança e medo para o empregado. Por outro lado, faz com que o empregador se sinta livre para cumprir os direitos trabalhistas a seu bel prazer. Alguns cumprem tudo, outros cumprem mais ou menos, outros não cumprem nada. Alguns demitem em massa para fazer subir o preço de ações da empresa e aumentar seu prestígio momentâneo junto a investidores. Se o empregado reclama, se organiza, denuncia, geralmente é sofre uma dispensa retaliatória, sem nada que o proteja. Dificilmente consegue indenização por injustiças, pois necessita de provas que dificilmente consegue arregimentar.

Embora a hipossuficiência esteja geralmente associada ao baixo poder econômico do contratado, esta sua condição se agrava sobretudo pela hipossuficiência jurídica. Esta hipossuficiência jurídica e ignóbil consiste na sujeição a todo tipo de arbitrariedade.

Atrasos de salário, exigência de jornada extraordinária, coibição ao direito associativo, ingerências na vida pessoal, assédio moral, assédio sexual, assédio político e eleitoral, discriminação, racismo, enfim, todo tipo de constrangimento ilegal é ordinariamente tolerado porque o contratado sabe que se resistir ou denunciar, será demitido.

Aa mera indenização de 40% do FGTS, ou indenização de qualquer outra espécie não é capaz de garantir esse elemento fundamental na vida de qualquer pessoa e do Estado, que é a estabilização e a confiança nos contratos, a segurança jurídica, a tranquilidade da durabilidade dos institutos jurídicos. Contrato de trabalho por prazo indeterminado deve significar contrato garantido contra abusos, assédios e arbitrariedades, afastando as dispensas discriminatórias, abusivas e retaliatórias.

O art. 482 da CLT e a Convenção 158 : “Justa Causa” é diferente de “Justo Motivo”

Segundo a Convenção 158, a dispensa do empregado só pode ocorrer por “justo motivo”. Este justo motivo pode decorrer de questões relacionadas à capacidade ou comportamento do empregado, ou por causas econômicas, tecnológicas ou estruturais.

Não confundir com a “justa causa”. A CLT prevê a “justa causa”, não o “justo motivo”. A Justa causa destina-se a rescindir contrato de trabalho por atos ilícitos praticados pelo empregado.

Já o justo motivo da Convenção 158 destina-se a regular as hipóteses em que a dispensa sem justa causa não pode ocorrer. Não pode ocorrer dispensa sem justa causa por motivo de retaliação empresarial a um mero exercício de um direito associativo, sindical, civil, político, religioso. Também não pode ser motivo de dispensa a discriminação. Por outro lado, podem ocorrer dispensas, individuais ou coletivas, por motivos objetivos relacionados às necessidades da empresa.

Comentários artigo por artigo.

Diz a convenção:

Art. 1 — Dever-se-á dar efeito às disposições da presente convenção através da legislação nacional, exceto na medida em que essas disposições sejam aplicadas por meio de contratos coletivos, laudos arbitrais ou sentenças judiciais, ou de qualquer outra forma de acordo com a prática nacional.

No Brasil, uma convenção pode ter aplicação direta por meio das sentenças judiciais, de modo que, enquanto não regulamentada, poderá ser diretamente aplicada pelo judiciário.

Art. 2 — 1. A presente convenção aplica-se a todas as áreas de atividade econômica e a todas as pessoas empregadas. 2.2 Todo Membro poderá excluir da totalidade ou de algumas das disposições da presente convenção as seguintes categorias de pessoas empregadas: a) os trabalhadores de um contrato de trabalho de duração determinada ou para realizar uma determinada tarefa; b) os trabalhadores que estejam num período de experiência ou que não tenham o tempo de serviço exigido, sempre que, em qualquer um dos casos, a duração tenha sido fixada previamente e for razoável; c) os trabalhadores contratados em caráter ocasional durante um período de curta duração

A própria convenção prevê que, para exclusão de determinadas categorias da proteção de que ela trata, deverá haver regulamentação específica. Por exemplo, se o país membro decidir excluir o emprego doméstico da aplicação da convenção, deverá fazê-lo por meio de lei ou ato regulamentador equivalente nos termos da legislação de cada país.

Pessoas empregadas, para efeito da OIT são todas as pessoas que tenham um contrato de trabalho, podendo-se cogitar de sua aplicação mesmo em relação a pessoas jurídicas, pois estes contratos com pessoas jurídicas unipessoais são em essência, contratos de trabalho sem direitos trabalhistas, o que não significa que as condições de sua estabilização possam estar desprotegidas de perseguições de nível pessoal ou motivações discriminatórias. Por este motivo, todas as atividades econômicas podem ser abrangidas independentemente do vínculo[3].

Os contratos por prazo determinado, como os já previstos na nossa legislação, como contrato por obra certa, contrato de experiência, contrato por prazo determinado, podem ser excluídos da convenção. Isto porque a segurança jurídica está dada pela própria previsibilidade do seu término. Entretanto, é possível incluir também estes contratos para efeito de sua rescisão antes do prazo previsto. Nossa CLT já prevê, no art. [4]

2.3. Deverão ser previstas garantias adequadas contra o recurso a contratos de trabalho de duração determinada cujo objetivo seja o de iludir a proteção prevista nesta convenção.

Este dispositivo diretamente afronta os casos de fraude. Em abuso das hipóteses de contratos determinados criados pelo contratante para impossibilitar a indeterminação do contrato de trabalho.

O aumento ou redução da duração dos contratos determinados é um mecanismo utilizado normalmente pelos países que adotam a Convenção. Na Itália, por exemplo, em 2018, o decreto-lei 87, chamado “decreto dignidade”, instituiu medidas para enfrentar a precarização do trabalho. A duração máxima do contrato de trabalho por tempo determinado, que era de 12 meses, foi alterada para admitir “causalidades” que permitem uma duração superior, de até 24 meses. Isto porque a rotatividade e a insegurança aumentaram demasiado com a rescisão dos contratos determinados antes do período da indeterminação.

  1. 4. Na medida que for necessário, e com a prévia consulta das organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas, quando tais organizações existirem, a autoridade competente ou o organismo apropriado de cada país poderá tomar medidas para excluir da aplicação da presente convenção, ou de algumas de suas disposições, certas categorias de pessoas empregadas, cujas condições de emprego forem regidas por disposições especiais que, no seu conjunto, proporcionem uma proteção pelo menos equivalente à prevista nesta convenção. 2.5. Na medida que for necessário, e com a prévia consulta das organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas, quando tais organizações existirem, a autoridade competente ou o organismo apropriado de cada país poderá tomar medidas para excluir da aplicação da presente convenção ou de algumas de suas disposições, outras categorias limitadas de pessoas empregadas, a cujo respeito apresentam-se problemas especiais que assumam certa importância, levando em consideração as condições de emprego particulares dos trabalhadores interessados ou a dimensão ou a natureza da empresa que os emprega; 2.6. Todo Membro que ratificar a presente Convenção deverá enumerar, no primeiro relatório sobre a aplicação da Convenção que submeter em virtude do artigo 22 da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, as categorias que tiverem sido excluídas em virtude dos parágrafos 4 e 5 do presente artigo, explicando os motivos para essa exclusão, e deverá indicar nos relatórios subsequentes, a situação da sua legislação e prática com relação às categorias excluídas e a medida em que é aplicada ou tenciona aplicar a Convenção a essas categorias

Estes três dispositivos finais do art. 2 da Convenção 158 dispõem sobre a eventualidade do país signatário excluir determinadas categorias por motivos de serem regidas por disposições especiais ou apresentarem problemas especiais de relevância, ou natureza da empresa que os emprega. De qualquer forma, os casos de exclusão precisam ser comunicados e explicitados os motivos da exclusão em relatórios periódicos à OIT.

Art. 3 — Para os efeitos da presente Convenção as expressões ‘término’ e ‘término da relação de trabalho’ significam término da relação de trabalho por iniciativa do empregador.

 

Este artigo informa que não é possível aplicar o justo motivo da rescisão quando ela é praticada pelo empregado. Isto porque as hipóteses do justo motivo estão relacionadas a causas econômicas, tecnológicas e estratégicas de quem organiza a atividade econômica, sendo, portanto, inviável sua aplicação por quem vende sua força de trabalho, não sendo responsável pela organização da própria atividade econômica.

 

Art. 4 — Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.

 

A dispensa sem justa causa deve ser motivada pela incapacidade do empregado ou por seu mau comportamento. O art. 482 da CLT já prevê hipóteses em que determinados comportamentos do empregado ensejam sua dispensa por justa causa com redução das parcelas devidas como verbas rescisórias do contrato de trabalho.

 

Nos artigos seguintes a convenção explicita que causas são estas que podem justificar a dispensa sem justa causa.

Art. 5 — Entre os motivos que não constituirão causa justificada para o término da relação de trabalho constam os seguintes: a) a filiação a um sindicato ou a participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante as horas de trabalho; b) ser candidato a representante dos trabalhadores ou atuar ou ter atuado nessa qualidade; c) apresentar uma queixa ou participar de um procedimento estabelecido contra um empregador por supostas violações de leis ou regulamentos, ou recorrer perante as autoridades administrativas competentes; d) a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades familiares, a gravidez, a religião, as opiniões políticas, ascendência nacional ou a origem social; e) a ausência do trabalho durante a licença-maternidade.

 

Atualmente, estas hipóteses são praticadas por empregadores de forma massiva no Brasil. Algumas vezes, reclamações chegam ao Ministério Público do Trabalho, que instaura investigação, propõe ajustamento de conduta ou ações com viés condenatório no pagamento de indenização e obrigações de não fazer tal coisa no futuro. Entretanto, indenizar não é o mesmo que assegurar um direito. O exercício dos direitos civis, políticos e religiosos não pode ser violado, nem mesmo sob pagamento. A indenização deve ser devida mas o que realmente importa no caso de assegurar-se direitos é o exemplo. Alguém não pode ser dispensado por exercer direitos. Isto porque, por mais que se indenize, o efeito demonstrativo para os demais empregados eventualmente interessados é devastador. O empregado punido no exercício de um direito servirá de exemplo para que outros também não o exerçam. E assim os direitos morrem.

Art. 6 — 1. A ausência temporal do trabalho por motivo de doença ou lesão não deverá constituir causa justificada de término da relação de trabalho. 2. A definição do que constitui uma ausência temporal do trabalho, a medida na qual será exigido um certificado médico e as possíveis limitações à aplicação do parágrafo 1 do presente artigo serão determinadas em conformidade com os métodos de aplicação mencionados no artigo 1 da presente Convenção.

Esta é uma situação interessante, pois, no Brasil, se o empregado não chegar a ficar afastado pela previdência social com recebimento de auxílio-doença ou auxílio acidente, ele não usufrui do período de estabilidade de um ano ao retornar ao trabalho. Períodos de afastamento inferiores a 15 dias não chegam a ir para a previdência social. Assim, se o empregado tiver que se afastar por vários períodos inferiores a 15 dias, estará a encargo da empresa seu pagamento e o prejuízo pela sua ausência. Nestes casos é comum a empresa dispensar sem justa causa. Com a adoção da Convenção 158, este motivo não poderia ser invocado para a dispensa, que poderia ser revertida.

 

Art. 7 — Não deverá ser terminada a relação de trabalho de um trabalhador por motivo relacionados com seu comportamento ou seu desempenho antes de se dar ao mesmo a possibilidade de se defender das acusações feitas contra ele, a menos que não seja possível pedir ao empregador, razoavelmente, que lhe conceda essa possibilidade.

 

A hipótese final do artigo, que diz, a menos que não seja possível pedir razoavelmente ao empregador que lhe conceda esta possibilidade, está tratando das hipóteses em que a desídia no desempenho da função, não seja suficiente para gerar a justa causa, ou seja, a hipótese em que lhe são dadas pelo menos 3 advertências. A dispensa sem justa causa não pode ser dada por comportamento ou desempenho, caso não se dê uma chance ao empregado de se defender, ou de se aperfeiçoar, melhorando seu desempenho. Este dispositivo é muito interessante para proteger o ambiente psicossocial da empresa de investidas de empregados mais bem posicionados contra os mais indefesos, na disputa pelas ocasiões de promoção ou mesmo pela necessidade de culpar alguém por algum erro eventual. O feedback do empregado acusado pode auxiliar na melhoria da produtividade e do ambiente empresarial.

Art. 8 — 1. O trabalhador que considerar injustificado o término de sua relação de trabalho terá o direito de recorrer contra o mesmo perante um organismo neutro, como, por exemplo, um tribunal, um tribunal do trabalho, uma junta de arbitragem ou um árbitro. 2. Se uma autoridade competente tiver autorizado o término, a aplicação do parágrafo 1 do presente artigo poderá variar em conformidade com a legislação e a prática nacionais. 3. Poder-se-á considerar que o trabalhador renunciou a seu direito de recorrer contra o término de sua relação de trabalho se não tiver exercido tal direito dentro de um prazo razoável após o término.

A revisão do motivo da dispensa no Brasil ocorre perante a justiça do trabalho e o prazo prescricional é de dois anos após o término do vínculo. Não se necessitaria de normativa para recepcionar o dispositivo. Não existe no Brasil a aplicabilidade do dispositivo 8.2.

Art. 9 — 1. Os organismos mencionados no artigo 8º da presente Convenção estarão habilitados para examinarem as causas alegadas para justificar o término da relação de trabalho e todas as demais circunstâncias relacionadas com o caso e para se pronunciar sobre o término ser ou não justificado. 2. A fim do trabalhador não estar obrigado a assumir por si só o peso da prova de que seu término foi injustificado, os métodos de aplicação mencionados no artigo 1 da presente Convenção deverão prever uma ou outra das seguintes possibilidades, ou ambas: a) caberá ao empregador o peso da prova da existência de uma causa justificada para o término, tal como foi definido no artigo 4 da presente Convenção; b) os organismos mencionados no artigo 8 da presente Convenção estarão habilitados para decidir acerca das causas alegadas para justificar o término, levando em conta as provas apresentadas pelas partes e em conformidade com os procedimentos estabelecidos pela legislação e as práticas nacionais. 3. Nos casos em que forem alegadas, para o término da relação de trabalho, razões baseadas em necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço, os organismos mencionados no artigo 8 da presente Convenção estarão habilitados para verificar se o término foi devido realmente a essas razões, mas a medida em que esses organismos estarão habilitados também para decidirem se tais razões seriam suficientes para justificar o término deverá ser determinada pelos métodos de aplicação mencionados no artigo 1 desta Convenção.

 

Entende-se que a convenção distribui de forma dinâmica o ônus da prova da veracidade e suficiência da motivação para a dispensa sem justa causa. As alegações relacionadas às necessidades da empresa só poderiam mesmo ser demonstradas pela empresa, pois para o empregado seria uma produção de prova impossível, podendo apresentar provas obstativas ou extintivas das alegações empresárias. A autoridade no Brasil é a justiça do trabalho, sem prejuízo de ajustamentos de conduta realizados perante organismos como, por exemplo, o Ministério Público do Trabalho ou o Ministério do Trabalho. O que o dispositivo traz de interessante o item 3 é que não basta, por exemplo alegação de necessidade da empresa, mas que esta necessidade seja suficiente para justificar o término da relação de emprego. Digamos que determinado setor necessite de uma reengenharia operacional para melhoria da produtividade. A questão é se a dispensa é realmente necessária para que se realize a alegada reengenharia, ou se, ao contrário, ela poderia ser evitada.

Art. 10 — Se os organismos mencionados no artigo 8 da presente Convenção chegarem à conclusão de que o término da relação de trabalho é injustificado e se, em virtude da legislação e prática nacionais, esses organismos não estiverem habilitados ou não considerarem possível, devido às circunstâncias, anular o término e, eventualmente, ordenar ou propor a readmissão do trabalhador, terão a faculdade de ordenar o pagamento de uma indenização adequada ou outra reparação que for considerada apropriada.

 

Em primeiro lugar a readmissão. A eventual indenização somente pode ser aplicada se as circunstâncias foram impeditivas da readmissão. É subsidiária. A afirmação de um direito se dá pelo seu exercício. Se a aplicação da convenção não for efetiva, se transformará em mero instrumento de indenizações, tendentes a insuficiência para assegurar os direitos a que ela se propôs, bem como a favorecer a estabilização das relações jurídicas contratuais e o planejamento social do país.

Art. 11 — O trabalhador cuja relação de trabalho estiver para ser dada por terminada terá direito a um prazo de aviso prévio razoável ou, em lugar disso, a uma indenização, a não ser que o mesmo seja culpado de uma falta grave de tal natureza que seria irrazoável pedir ao empregador que continuasse a empregá-lo durante o prazo do aviso prévio. Art. 12 — 1. Em conformidade com a legislação e a prática nacionais, todo trabalhador cuja relação de trabalho tiver sido terminada terá direito: a) a uma indenização por término de serviços ou a outras compensações análogas, cuja importância será fixada em função, entre outras coisas, do tempo de serviço e do montante do salário, pagáveis diretamente pelo empregador ou por um fundo constituído através de cotizações dos empregadores; ou b) a benefícios do seguro desemprego, de um sistema de assistência aos desempregados ou de outras formas de previdência social, tais como benefícios por velhice ou por invalidez, sob as condições normais às quais esses benefícios estão sujeitos; ou c) a uma combinação de tais indenizações ou benefícios. 2. Quando o trabalhador não reunir as condições de qualificação para ter direito aos benefícios de um seguro-desemprego ou de assistência aos desempregados em virtude de um sistema de alcance geral, não será exigível o pagamento das indenizações ou benefícios mencionados no parágrafo 1, item a, do presente artigo, pelo único fato do trabalhador não receber benefícios de desemprego em virtude do item b do parágrafo mencionado. 3. No caso de término devido à falta grave, poder-se-á prever a perda do direito a desfrutar das indenizações ou benefícios mencionados no parágrafo 1, item a, do presente artigo pelos métodos de aplicação mencionados no artigo 1 da presente Convenção.

A PARTE III da Convenção 158 da OIT é a que nos traz a maior gama de novidades ao nosso ordenamento jurídico trabalhista. Ela dispõe sobre o término da relação de trabalho por Motivos Econômicos, Tecnológicos, Estruturais ou Análogos.

 

Trata-se da segunda hipótese mencionamos acima. Como vimos, a Convenção 158 estabelece dois motivos para a dispensa sem justa causa. O motivo pessoal, baseado na capacidade e no comportamento do empregado; e o motivo conjuntural, ou seja, relacionados a condições objetivas envolvendo a situação da empresa. Vejamos de que traita esta segunda ordem de motivação.

 

Causas objetivas e direito comparado

Art. 13 — 1. Quando o empregador prever términos da relação de trabalho por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos: a) proporcionará aos representantes dos trabalhadores interessados, em tempo oportuno, a informação pertinente, incluindo os motivos dos términos previstos, o número e categorias dos trabalhadores que poderiam ser afetados pelos mesmos e o período durante o qual seriam efetuados esses términos; b) em conformidade com a legislação e a prática nacionais, oferecerá aos representantes dos trabalhadores interessados, o mais breve que for possível, uma oportunidade para realizarem consultas sobre as medidas que deverão ser adotadas para evitar ou limitar os términos e as medidas para atenuar as consequências adversas de todos os términos para os trabalhadores afetados, por exemplo, achando novos empregos para os mesmos. 2. A aplicação do parágrafo 1 do presente artigo poderá ser limitada, mediante os métodos de aplicação mencionados no artigo 1 da presente Convenção, àqueles casos em que o número de trabalhadores, cuja relação de trabalho tiver previsão de ser terminada, for pelo menos igual a uma cifra ou uma porcentagem determinada do total do pessoal. 3. Para os efeitos do presente artigo, a expressão ‘representantes dos trabalhadores interessados’ aplica-se aos representantes dos trabalhadores reconhecidos como tais pela legislação ou as práticas nacionais, em conformidade com a Convenção sobre os representantes dos trabalhadores, 1971.

 

Na Espanha, o art. 47 do Estatuto dos Trabalhadores (ET), fixam as causas ETOP – Causas Econômicas são as que decorrem de situação econômica negativa, como por exemplo, perdas atuais ou previstas, diminuição persistente do nível de receita ordinária ou vendas. A diminuição é considerada persistente se durante dois trimestres consecutivos, o nível de receita é inferior ao registrado no mesmo trimestre do ano anterior. As Causas Tecnicas ocorrem quando há mudança nos meios ou nos instrumentos de produção. As Causas Organizadoras ocorrem quando há mudanças no modo de se organizar a produção. E finalmente, as Causas Produtivas quando ocorrem mudanças na demanda dos serviços ou produtos que a empresa pretende colocar no mercado. As motivações podem ser revistas na justiça laboral e geralmente quando procedentes as condenações implicam na declaração de nulidade da dispensa e reintegração do empregado.

 

O artigo 33 do Codice del Lavoro italiano dispõe sobre as hipóteses de rescisão contratual, sendo possíveis apenas duas: a) por uma falta grave do trabalhador, b) por motivos econômicos, técnicos ou organizacionais, mediante dispensa disciplinada pelo art. 34 do mesmo instituto. O art. 34 dispõe que a dispensa que não for disciplinar (por falta grave), deve ser precedida de exame conjunto do motivo econômico, técnico ou organizacional em sede administrativa ou sindical, que não pode durar mais de 20 dias a contar da comunicação inicial. A dispensa propriamente dita deve ademais, ser comunicada ao empregado com expressa menção do motivo. Como se vê, a dispensa de qualquer empregado, independentemente do número, não pode ser feita sem observância dos motivos. Isso evita a utilização do contrato para práticas retaliatórias, discriminatórias, abusivas de um modo geral, garantindo, além de maior segurança jurídica e possibilidade de planejamento da vida civil, uma maior facilidade para garantia dos demais empréstimos, sejam eles comerciais, financeiros ou civis.

 

Art. 14 — 1. Em conformidade com a legislação e a prática nacionais, o empregador que prever términos por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos, deverá notificá-los o mais breve possível à autoridade competente, comunicando-lhe a informação pertinente, incluindo uma exposição, por escrito, dos motivos dos términos previstos, o número e as categorias dos trabalhadores que poderiam ser afetados e o período durante o qual serão efetuados esses términos. 2. A legislação nacional poderá limitar a aplicabilidade do parágrafo 1 do presente artigo àqueles casos nos quais o número de trabalhadores, cuja relação de trabalho tiver previsão de ser terminada, for pelo menos igual a uma cifra ou uma percentagem determinada do total de pessoal. 3. O empregador notificará às autoridades competentes os términos referidos no parágrafo 1 do presente artigo com um prazo mínimo de antecedência da data em que seriam efetuados os términos, prazo que será especificado pela legislação nacional.

 

Em Portugal, Artigo 338.º Proibição de despedimento sem justa causa. É proibido o despedimento sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. DIVISÃO II Despedimento coletivo   Artigo 359.º Noção de despedimento coletivo 1 – Considera-se despedimento coletivo a cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador e operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de microempresa ou de pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande empresa, por outro, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou redução do número de trabalhadores determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos. 2 – Para efeitos do disposto no número anterior consideram-se, nomeadamente: a) Motivos de mercado – redução da atividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado; b) Motivos estruturais – desequilíbrio econômico-financeiro, mudança de atividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes; c) Motivos tecnológicos – alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.

 

PARTE IV Disposições finais

Art. 15 — As ratificações formais da presente Convenção serão transmitidas ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho e por ele registradas. Art. 16 — 1. A presente Convenção obrigará somente os Membros da Organização Internacional do Trabalho cujas ratificações tenham sido registradas pelo Diretor-Geral. 2. Entrará em vigor doze meses após serem registradas pelo Diretor-Geral, as ratificações por parte de dois Membros. 3. Posteriormente esta Convenção entrará em vigor, para cada Membro, doze meses após a data de registro de sua ratificação. Art. 17 — 1. Todo Membro que tenha ratificado a presente Convenção poderá denunciá-la ao expirar o prazo de dez anos, contados da data inicial da vigência da Convenção, por meio de um ato comunicado ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho e por ele registrado. A denúncia somente se tornará efetiva um ano após haver sido registrada. 2. Todo Membro que tenha ratificado a presente Convenção e que no prazo de um ano após o termo do período de dez anos, mencionado no parágrafo precedente, não houver feito uso da faculdade de denúncia prevista pelo presente artigo, ficará ligado por um novo período de dez anos e, posteriormente, poderá denunciar a presente Convenção ao termo de cada período de dez anos, nas condições previstas no presente artigo. Art. 18 — 1. O Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho notificará a todos os Membros da Organização Internacional do Trabalho o registro de todas as ratificações, declarações e denúncias que lhe forem transmitidas pelos Membros da Organização. 2. Ao notificar aos Membros da Organização o registro da segunda ratificação que lhe tenha sido transmitida, o Diretor-Geral chamará a atenção dos Membros da Organização para a data na qual a presente Convenção entrará em vigor. Art. 19 — O Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho transmitirá ao Secretário-Geral das Nações Unidas, para fins de registro de acordo com o artigo 102 da Carta das Nações Unidas, informações completas a respeito de todas as ratificações, declarações, e atos de denúncia que tenha registrado de acordo com os artigos precedentes. Art. 20 — Ao termo de cada período de dez anos, contados da entrada em vigor da presente Convenção, o Conselho de Administração da Repartição Internacional do Trabalho deverá apresentar à Conferência Geral um relatório sobre a aplicação da presente Convenção e decidirá da conveniência de ser inscrita na ordem do dia da Conferência a questão de sua revisão total ou parcial.  Art. 21 — 1. Caso a Conferência adotar uma nova Convenção que implique revisão total ou parcial da presente Convenção e a menos que a nova Convenção não disponha de outro modo: a) a ratificação, por parte de um Membro, da nova Convenção revista acarretará de pleno direito, não obstante o artigo 16 acima, denúncia imediata da presente Convenção desde que a nova Convenção revista tenha entrado em vigor; b) a partir da data da entrada em vigor da nova Convenção revista, a presente Convenção cessará de estar aberta à ratificação por parte dos Membros. 2. A presente Convenção permanecerá, entretanto, em vigor na sua forma e teor para os Membros que a houverem ratificado e que não ratificarem a Convenção revista.
Art. 22 — As versões francesa e inglesa do texto da presente Convenção são igualmente autênticas.”

 

 

PAISES QUE RATIFICARAM A CONVENÇÃO[5]

 

PaísData  
Antígua e Barbuda16 de setembro de 2002  
Austrália26 de fevereiro de 1993  
Bósnia e Herzegovina02 de junho de 1993  
Brasil05 de janeiro de 1995  
Camarões13 de maio de 1988  
República Centro-Africana05 de junho de 2006  
Chipre05 de julho de 1985  
República Democrática do Congo03 de abril de 1987  
Etiópia28 de janeiro de 1991  
Finlândia30 de junho de 1992  
França16 de março de 1989  
Gabão06 de dezembro de 1988  
Letônia25 de julho de 1994  
Lesoto14 de junho de 2001  
Luxemburgo21 de março de 2001  
Malauí01 de outubro de 1986  
Montenegro03 de junho de 2006  
Marrocos07 de outubro de 1993  
Namíbia28 de junho de 1996  
Níger05 de junho de 1985  
Macedônia do Norte17 de novembro de 1991  
Papua Nova Guiné02 de junho de 2000  
Portugal27 de novembro de 1995  
República da Moldávia14 de fevereiro de 1997  
Santa Lúcia06 de dezembro de 2000  
Sérvia24 de novembro de 2000  
Eslováquia22 de fevereiro de 2010  
Eslovênia29 de maio de 1992  
Espanha26 de abril de 1985  
Suécia20 de junho de 1983  
Türkiye04 de janeiro de 1995  
Uganda18 de julho de 1990  
Ucrânia16 de maio de 1994  
Venezuela (República Bolivariana da)06 de maio de 1985  
Iémen13 de março de 1989  
Zâmbia09 de fevereiro de 1990  

[1] Procuradora do Trabalho, atualmente preside o IPEATRA – Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho.

[2] Sobre a correta interpretação da Convenção, alertando inclusive para o equívoco de se traduzir “reintegração” por “readmissão”, conferir o caderno da OIT disponível em https://www.ilo.org/public/libdoc/ilo/P/09663/09663(1995-4B).pdf Acesso em 16.fev.2023.

[3] O conceito de “economia informal” adotado pela OIT na Recomendação 204 inclui pessoas que trabalham por conta própria, como autônomos, empresas, empreendedores e domicílios que atuem como unidade econômica, ou seja, uma economia informal que, direta ou indiretamente contribui para a acumulação capitalista no século XXI, mas cujos serviços e mercadorias se inserem em cadeias produtivas que permeiam o universo informal, competindo com o trabalho formal para reduzir o custo do trabalho.

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[4]   Art. 479 – Nos contratos que tenham termo estipulado, o empregador que, sem justa causa, despedir o empregado será obrigado a pagar-lhe, a titulo de indenização, e por metade, a remuneração a que teria direito até o termo do contrato.  Parágrafo único – Para a execução do que dispõe o presente artigo, o cálculo da parte variável ou incerta dos salários será feito de acordo com o prescrito para o cálculo da indenização referente à rescisão dos contratos por prazo indeterminado.   Art. 480 – Havendo termo estipulado, o empregado não se poderá desligar do contrato, sem justa causa, sob pena de ser obrigado a indenizar o empregador dos prejuízos que desse fato lhe resultarem. § 1º – A indenização, porém, não poderá exceder àquela a que teria direito o empregado em idênticas condições. Art. 481 – Aos contratos por prazo determinado, que contiverem cláusula asseguratória do direito recíproco de rescisão antes de expirado o termo ajustado, aplicam-se, caso seja exercido tal direito por qualquer das partes, os princípios que regem a rescisão dos contratos por prazo indeterminado.

[5] Fonte: Disponível em https://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=1000:11300:0::NO:11300:P11300_INSTRUMENT_ID:312303  consulta em 6.2.2023.

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